Uma tal unanimidade vai sempre ocorrer onde o “ver além de um conceito” não suspende a liberdade da força de imaginação. Kant pode, sem se contradizer, caracterizar, como uma condição justificável, que é também uma condição do prazer estético, que com a determinação do fim não se manifeste nenhuma divergência. E com o isolamento das belezas livres, como seres para si, era artificial (o “gosto” parece, demais, se comprovar, na maior parte dos casos, lá onde se escolhe não somente o correto, mas o correto para o lugar correto), pode-se e deve-se ir além do ponto de vista daquele juízo de gosto puro, desde que se diga: É certo que não se pode falar de beleza onde um determinado conceito de compreensão é esquematicamente sensorializado pela força da imaginação, mas tão-somente onde a força de imaginação está em livre concordância com a razão, ou seja, onde pode ser produtiva. Mas esse formar produtivo da força da imaginação não é o mais rico lá, onde ele é simplesmente livre, como no revolutear dos arabescos, mas lá onde vive em um espaço de jogo, o qual o empenho por unidade da compreensão não age tanto no sentido de construir-lhe barreiras, mas de pré-linear incentivos para o seu jogo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Sem dúvida não é fácil para a autoconsciência metodológica da investigação histórica firmar e manter esse aspecto do tema em questão, pois as ciências humanas já estão marcadas pela ideia moderna de ciência. Não obstante a crítica romântica ao racionalismo inerente ao Iluminismo tenha rompido com o predomínio do direito natural, os caminhos da investigação histórica concebem-se como passos rumo a um esclarecimento histórico total do homem a respeito de si próprio, tendo como consequência a dissolução dos últimos restos dogmáticos da tradição greco-cristã. O objetivismo histórico que corresponde a esse ideal tira sua força de uma ideia de ciência sustentada no subjetivismo filosófico da modernidade. A preocupação de Droysen foi defender-se contra esse subjetivismo. Todavia, foi somente com a crítica radical ao subjetivismo filosófico iniciada com o Ser e tempo, de Heidegger, que se pôde fundamentar filosoficamente a posição histórico-teológica de Droysen e apresentar no lugar de Dilthey, que se acha bem mais dependente do conceito moderno de ciência, o Conde York von Wartenburg como o verdadeiro interlocutor na herança do luteranismo. A partir do momento em que Heidegger deixa de considerar a historicidade da pre-sença como uma limitação de suas possibilidades de conhecimento e como uma ameaça ao ideal da objetividade científica para enquadrá-la de modo positivo na problemática ontológica, o conceito de compreensão, que a escola histórica havia elevado como método, transformou-se em conceito filosófico universal. Segundo Ser e tempo, a compreensão é o modo de realização da historicidade da própria pre-sença. O seu caráter de porvir, o caráter fundamental de projeto, conveniente à temporalidade da pre-sença, delimita-se pela outra determinação do estar-lançado, pela qual (125) não se designam apenas os limites de uma posse soberana de si mesmo mas abrem-se e determinam-se também as possibilidades positivas que são as nossas. O conceito de autocompreensão, legado em certo sentido pelo idealismo transcendental e ampliado em nossa época por Husserl, em Heidegger adquire pela primeira vez sua verdadeira historicidade, contribuindo assim também para os interesses teológicos na formulação da autocompreensão da fé. Pois o que pode liberar a autocompreensão da fé da falsa pretensão de uma certeza gnóstica de si mesma não é o soberano ser mediado por si mesmo da autoconsciência mas sim a experiência de si mesmo que acontece com cada um, e, do ponto de vista teológico, acontece particularmente no anúncio da pregação. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 9.
A função que exerce o mistério da linguagem no pensamento tardio de Heidegger ensina de maneira suficiente que o aprofundamento na historicidade da autocompreensão deslocou de sua posição central não apenas o conceito de consciência, mas também o (126) conceito de mesmidade (Selbstheit). Pois o que pode ser mais desprovido de consciência e de mesmidade do que o âmbito misterioso da linguagem no qual nos encontramos e que faz vir à palavra aquilo que é, de tal forma que o ser “se temporaliza”? O que assim vale para o mistério da linguagem, vale igualmente para o conceito de compreensão. Também esse não deve ser concebido como uma simples atividade da consciência compreensiva, mas como um modo de acontecer do próprio ser. Dito de forma puramente formal, o primado que possuem a linguagem e a compreensão no pensamento de Heidegger remete para o caráter prévio da “relação” frente aos seus componentes relacionais: o eu que compreende e aquilo que é compreendido. Também parece-me possível — e eu próprio realizei esse experimento em Verdade e método I — confirmar as explanações de Heidegger sobre “o ser” e a problemática desenvolvida a partir da experiência da “virada” na própria consciência hermenêutica. A relação de compreensão e compreendido tem a primazia frente ao compreender e o compreendido, do mesmo modo que a relação entre quem fala e o que se fala remete para a realização de um movimento que não tem sua base fixa em nenhum dos membros da relação. Compreender não é autocompreensão, como o idealismo considera certo e óbvio. O sentido de compreender, todavia, também não se esgota com a crítica revolucionária ao idealismo que pensa o conceito de autocomprensão como algo que sucede com o si-mesmo (Selbst) e pelo qual este chega a ser ele próprio. Considero que, no compreender, se dá um momento de desprendimento de si mesmo que merece a atenção também da hermenêutica teológica e que deveria ser investigado sob o fio condutor da estrutura do jogo. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 9.
O que está em jogo aqui é uma verdade hermenêutica, relacionada com o conceito de compreensão prévia. Mesmo a investigação da história da hermenêutica encontra-se sob a lei geral hermenêutica da compreensão prévia. Inicialmente, vamos mostrar isso em três exemplos. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.
Meu ponto de partida foi a crítica ao idealismo e ao metodologismo da era da teoria do conhecimento. Foi de especial importância para mim o aprofundamento do conceito de compreensão, por Heidegger, que o converteu num existencial, quer dizer, numa determinação básica categorial da pre-sença (Dasein) humana. Foi o estímulo que me levou a uma superação crítica do debate metodológico e a uma ampliação da problemática hermenêutica, contemplando não somente todo tipo de ciência, mas também a experiência de arte e a experiência da história. Ora, para sua análise crítica e polêmica da compreensão, Heidegger apoiou-se no antigo discurso sobre o círculo hermenêutico, reivindicou-o como um círculo positivo e em sua analítica da pre-sença elevou-o a conceito. Não devemos esquecer, porém, que não se trata aqui da circularidade como metáfora metafísica, mas de um conceito lógico que encontra seu verdadeiro lugar na teoria da demonstração científica como doutrina do círculo vicioso. O conceito de círculo hermenêutico significa que no âmbito da compreensão não se pretende deduzir uma coisa de outra, de modo que o erro lógico da circularidade na demonstração não é aqui nenhum defeito do procedimento, mas representa a descrição adequada da estrutura do compreender. Dilthey, seguindo a Schleiermacher, introduziu a expressão “círculo hermenêutico” em contraste com o ideal de raciocínio lógico. Se considerarmos o verdadeiro alcance do conceito de compreensão no uso da linguagem, veremos que a expressão “círculo hermenêutico” sugere na realidade a estrutura do ser-no-mundo, quer dizer, a superação da divisão entre sujeito e objeto na analítica transcendental da pre-sença levada a cabo por Heidegger. Quem sabe usar uma ferramenta não a converte em objeto, mas trabalha com ela. Assim também o compreender, que permite à pre-sença conhecer-se em seu ser e em seu mundo, não é uma conduta relacionada com determinados objetos de conhecimento, mas seu próprio ser-no-mundo. Desse modo a metodologia hermenêutica de cunho diltheyano se transforma numa “hermenêutica da facticidade” que guia a pergunta de Heidegger pelo ser, incluindo a indagação fundamental do historicismo e de Dilthey. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.
Autocompreensão tem a ver com uma decisão histórica e não com uma espécie de posse e disponibilidade de si. Bultmann sempre ressaltou esse aspecto. Por isso, seria um desvirtuamento entender o conceito de compreensão prévia, empregado por Bultmann, como um fincar pé nos preconceitos, como uma espécie de saber prévio. Na verdade, o que Bultmann desenvolveu foi um conceito puramente hermenêutico, motivado pela análise heideggeriana do círculo hermenêutico e pela estrutura prévia comum à existência humana. Refere-se à abertura do horizonte de questionamento como o único local onde pode dar-se compreensão; o que não significa que a compreensão prévia não possa ser corrigida pelo encontro com a palavra de Deus (como ocorre com toda e qualquer palavra). Ao contrário, o sentido desse conceito é tornar visível o movimento da compreensão como essa mesma correção. Deve-se atentar para o fato de que, no caso do apelo da fé, essa “correção” tem um caráter específico e que só se reveste de uma generalidade hermenêutica em função de sua estrutura formal. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.