Gadamer (VM): Aristóteles

A ingênua consciência da dignidade própria da atualidade até pode se rebelar contra o fato de que a consciência filosófica admite que seu próprio ponto de vista filosófico seja o de um Platão ou Aristóteles, de um Leibniz, Kant ou Hegel, em contraposição a de outros de menor categoria. GVM Introdução

É o antagonismo entre o acadêmico e o sábio, sobre o qual ele se apoia; um antagonismo que encontrou a sua primeira configuração na imagem cínica de Sócrates que possui seu fundamento objetivo no antagonismo conceitual entre sophia e de phronesis, que foi elaborado pela primeira vez por Aristóteles, que nos Peripatéticos foi desenvolvido como uma crítica do ideal teórico de vida e que co-determinou, na época helenística, a imagem do sábio, principalmente depois que o ideal de formação grega se tinha fundido com a autoconsciência da liderança política romana. GVM I 1

Daí que, segundo Aristóteles, a phronesis é uma “virtude espiritual”. GVM I 1

É esse motivo que Aristóteles desenvolveu contra a “ideia do bem” de Platão, à qual alude, nessa questão, o apelo de Vico ao sensus communis. GVM I 1

Mas o sensus communis não é, nesse sentido, um conceito grego e não tem, de forma alguma, o significado de koine dynamis, de que fala Aristóteles no De anima, quando procura ajustar a doutrina dos sentidos específicos (aisthesis idia) com o achado fenomenológico, que mostra toda percepção como uma diferenciação e uma opinião de um universal. GVM I 1

Nós iremos ver, no entanto, que em todas essas versões, permanece atuante a maneira de ser do saber moral, reconhecida por Aristóteles. GVM I 1

A ética da mesotes, que Aristóteles criou — é, num sentido profundo e abrangente, uma ética do bom gosto. GVM I 1

Será que um tal conceito pode constituir um fundamento resistente para estética? Pode-se, afinal, utilizar o conceito “significância própria”, sobretudo no que diz respeito a uma percepção? Não se terá de conceder ao conceito da “vivência” estética o que se credita à percepção, ou seja, que percebe o verdadeiro, isto é, que continua relacionado ao conhecimento? De fato, fazemos bem em nos lembrar de Aristóteles. GVM I 1

Joga-se “por uma questão de recreação”, como diz Aristóteles. GVM I 2

Também o prazer com que as crianças se fantasiam, a respeito do que já se manifesta Aristóteles, não pretende ser um esconder-se, uma simulação, a fim de que se adivinhe e se reconheça quem está por trás disso, mas, ao contrário, um representar, de tal modo que apenas o representado é. GVM I 2

É conhecido o fato de que já Aristóteles destaca que a representação artística faz parecer agradável até mesmo o que é desagradável, e por essa razão, Kant define a arte como a bela representação (Vorstellung) de uma coisa, porque a arte sabe fazer parecer belo também o que é feio. GVM I 2

A isso dedicamos apenas um interesse secundário, como diz expressamente Aristóteles. GVM I 2

Não obstante, é o reconhecimento que está em obra na representação da arte, o qual possui o caráter de um genuíno conhecimento da essência e é justamente através do fato de que Platão entende todo conhecimento da essência como reconhecimento, que isso está objetivamente fundamentado: Aristóteles pôde denominar a poesia como mais filosófica do que a história. GVM I 2

Lembramos aqui da famosa definição da tragédia que encontramos na Poética de Aristóteles. GVM I 2

O que se espelha na reflexão sobre o trágico que se estende de Aristóteles até o presente, certamente não é uma essência imutável. GVM I 2

Não há dúvida de que a essência do trágico é representada na tragédia ática de uma forma única — diferentemente para Aristóteles, para quem Eurípedes foi “o mais trágico”, e diferentemente para aquele a quem, por exemplo, Ésquilo revela a verdadeira profundidade do fenômeno trágico — mas sobretudo diferente para quem pensa em Shakespeare ou Hebbel. GVM I 2

Se começarmos por Aristóteles, vamos ter sob os olhos a totalidade do fenômeno. GVM I 2

Na sua famosa definição da tragédia, Aristóteles deu uma indicação decisiva para o problema da estética, tal qual o começamos a expor; isso porque acolheu o efeito sobre o espectador na determinação da essência da tragédia. GVM I 2

Agora experimentamos, através de Aristóteles, que a representação da ação trágica causa um efeito específico no espectador. GVM I 2

Consoante Aristóteles, não se trata, de modo algum, de compaixão e nem mesmo de avaliação da compaixão, feita cada vez diferente durante esses séculos, e muito menos ainda se pode entender o temor como um estado de ânimo da interioridade. GVM I 2

É assim que o destino de Édipo desola alguém (o exemplo que Aristóteles sempre tem diante dos olhos). GVM I 2

Correspondentemente, Phobos não é apenas um estado de ânimo, mas, como diz Aristóteles, uma ducha fria, a ponto de deixar congelado o sangue e a pessoa, vítima de um calafrio. GVM I 2

Diz-se dessas afecções de que trata Aristóteles, que é através delas que o espetáculo teatral proporciona a purificação de paixões desse gênero. GVM I 2

Mas a questão a que se refere Aristóteles parece-me inteiramente independente disto, e seu conhecimento tem de, no final, tornar-se compreensível, porque duas concepções gramaticalmente tão diferentes podem contrapor-se tão tenazmente uma à outra. GVM I 2

Parece-me claro que Aristóteles se refere à melancolia trágica que se assenhora do espectador à vista de uma tragédia. GVM I 2

Como é que, então, Aristóteles pode denominar esse estado de purificação? Qual é a impureza que adere às afecções, ou que são elas próprias, e como é que isso é expulso pela comoção? Parece-me que a resposta encontra-se no seguinte: o ser-assolado pela desolação e pelo calafrio representa uma bifurcação dolorosa. GVM I 2

A mal-afamada teoria trágica da culpa, que para Aristóteles quase não desempenha papel algum, não é um esclarecimento adequado nem mesmo para a tragédia moderna. GVM I 2

Reencontra-se a si mesmo na situação trágica, porque é seu próprio mundo, conhecido a partir da tradição religiosa ou histórica, que assim vem ao seu encontro, e ainda que para uma tomada de consciência posterior — certamente já a de Aristóteles, mais ainda a de Sêneca ou de Corneille — essa tradição já não possua mais caráter obrigatório, na atuação subsequente de tais obras e temas trágicos, encontra-se mais do que a manutenção da validade de um modelo literário. GVM I 2

Que o belo é de tal modo, que nada se pode tirar e nem acrescentar, sem que com isso venha a ser imediatamente destruído, enquanto tal é uma coisa que Aristóteles já sabia, para quem certamente não existia o quadro, no sentido que lhe empresta Alberti. GVM I 2

Nesse mesmo contexto, o próprio Platão já havia enfocado, pela primeira vez, a estrutura reflexiva da dynamis, tornando possível a sua transposição à essência da alma, que Aristóteles empreendeu da teoria das dynameis, as potências da alma. GVM II 1

O Aufklärung considera, por exemplo, que o grande feito reformador de Lutero consiste em que “o preconceito do respeito humano, especialmente o filosófico (referindo-se a Aristóteles) e o respeito ao papado romano, ficou profundamente debilitado…” A reforma proporciona, assim, o florescimento da hermenêutica que deve ensinar a usar corretamente a razão na compreensão da tradição. GVM II 2

Assim como Aristóteles mostrou até que ponto um problema desse tipo consegue aguçar as possibilidades humanas de juízo, a reflexão hermenêutica tem que estabelecer aqui um aguçamento da autoconsciência metódica da ciência. GVM II 2

É verdade que Aristóteles não aborda o problema hermenêutico nem sua dimensão histórica, mas trata somente da apreciação correta do papel que a razão deve desempenhar na atuação ética. GVM II 2

Através de sua limitação do intelectualismo socrático-platônico na questão do bem, Aristóteles funda, como se sabe, a ética como disciplina autônoma frente à metafísica. GVM II 2

Aristóteles recoloca-os na sua verdadeira medida, mostrando que o elemento que sustenta o saber ético do homem é a orexis, a “ambição”, e sua elaboração em uma atitude firme (hexis). GVM II 2

Aristóteles opõe o ethos à physis, como sendo um âmbito, no qual não é que não seja comandado por regras, mas que não conhece as leis da natureza, a não ser a mutabilidade e regularidade limitada das posturas humanas e de suas formas de comportamento. GVM II 2

Face à ideia do bem, determinada pela teoria platônica das ideias, Aristóteles enfatiza o fato de que, no terreno do problema ético não se pode falar de uma exatidão, de nível máximo, como a que fornece o matemático. GVM II 2

Como vemos, o problema do método está inteiramente determinado pelo objeto — o que constitui um postulado aristotélico geral e fundamental — e, relacionado ao nosso interesse, valerá a pena considerar a relação especial entre ser ético e consciência ética tal como Aristóteles a desenvolve na sua ética. GVM II 2

Aristóteles se mantém socrático na medida em que retém o conhecimento como momento essencial do ser ético, e o que nos interessa é justamente o equilíbrio entre a herança socrático-platônica e este momento do ethos a que ele mesmo deu validez. GVM II 2

Nesse sentido a limitação de Aristóteles entre o saber ético da phronesis e o saber teórico da episteme é bem simples, sobretudo se se leva em conta que, para os gregos, a ciência, representada pelo paradigma da matemática, é um saber do inalterável, que repousa sobre a demonstração e que, por conseguinte, qualquer um pode aprender. GVM II 2

Aqui está o verdadeiro problema do saber ético de que se ocupa Aristóteles na sua ética. GVM II 2

Pois, como saber, já intenciona sempre à praxis, e ainda que a matéria bruta nem sempre obedeça ao que aprendeu seu ofício, Aristóteles pode citar com razão as palavras do poeta: techne ama tykne, e tykne ama techne. GVM II 2

Aristóteles formula essa diferença de um modo audaz e único, chamando a esse saber de saber-se, isto é, um saber para si. GVM II 2

Nisso está também a delimitação face ao saber técnico, e se Aristóteles arrisca a expressão peculiar do “saber-se”, é com o fim de formular de algum modo essa dupla delimitação. GVM II 2

A delimitação face ao saber técnico é a mais difícil se, de acordo com Aristóteles, se determina ontologicamente o “objeto” desse saber, não como algo geral que sempre é como é, mas como algo único que também pode ser de outra maneira. GVM II 2

Pois a genialidade de Aristóteles está precisamente na quantidade de aspectos que leva em conta ao descrever cada fenômeno. “ GVM II 2

todos conceitos que têm seu correlato no catálogo das virtudes de Aristóteles) são, de certo modo, imagens diretrizes, pelas quais se guia. GVM II 2

Não é ela, então, techne? Não consiste, também ela, na aplicação das leis e das regras a um caso concreto? Não falamos da “arte” do juiz? Por que será que o que Aristóteles designa como a forma jurídica da phronesis (dikastike phronesis), não é uma techne! Naturalmente, a reflexão nos ensina que a aplicação das leis contém uma questionabilidade jurídica peculiar. GVM II 2

Em sua análise da epieikeia, a “equidade”, Aristóteles dá a isso uma expressão muito precisa: epieikeia é a correção da lei. GVM II 2

Aristóteles mostra que toda lei se encontra numa tensão necessária com respeito à correção do atuar, porque é geral e não pode conter em si a realidade prática em toda a sua concreção. GVM II 2

Essas considerações permitem compreender até que ponto é sutil a posição de Aristóteles frente ao problema do direito natural, da mesma forma que não se pode identificá-la com a tradição juro-naturalista dos tempos posteriores. GVM II 2

Que Aristóteles não se limita a rechaçar a questão do direito natural é o que se pode concluir do que acabamos de ver. GVM II 2

É verdade que, em geral, temos entendido Aristóteles nesse sentido, mas com isso se passa por alto a verdadeira profundidade de sua concepção. GVM II 2

Aristóteles conhece efetivamente a ideia de um direito inalterável, mas a limita expressamente aos deuses e declara que entre os homens não só é alterável o direito positivo mas também o natural. GVM II 2

Essa alterabilidade é, segundo Aristóteles, perfeitamente compatível com o caráter “natural” desse direito. GVM II 2

Os exemplos que Aristóteles apresenta, tirados de outros âmbitos, são muito elucidativos. GVM II 2

A mão direita é, por natureza, a mais forte, mas nada impede que se treine a esquerda até igualá-la em força com a direita (Aristóteles apresenta evidentemente esse exemplo porque era uma das ideias preferidas de Platão). GVM II 2

Aristóteles não quer dizer com isso que no comércio do vinho se procura normalmente enganar a outra parte, mas que essa conduta corresponde ao espaço de jogo do que é justo dentro dos limites impostos. GVM II 2

A teoria posterior do direito natural se reporta a essa passagem, apesar da clara intenção de Aristóteles, interpretando-a como se ele comparasse aqui a imobilidade do direito com a das leis naturais. GVM II 2

Com essa contraposição mostra-se precisamente, que a ideia do direito natural em Aristóteles só tem uma função crítica. GVM II 2

Também para Aristóteles a ideia do direito natural é completamente imprescindível, frente à necessária deficiência de toda lei vigente, e se torna particularmente atual onde se trata da ponderação da equidade, que é a única que realmente encontra o direito. GVM II 2

Essa questão especial do direito natural, desenvolvida in extenso por Aristóteles, não nos interessa aqui tanto por si mesmo, mas por sua significação fundamental. GVM II 2

O que Aristóteles demonstra aqui vale para todos os conceitos que o homem tem com respeito ao que ele deve ser, e não somente para o problema do direito. GVM II 2

Aristóteles reconhece que também o professor de ética — e em sua opinião isso vale para todo homem como tal — encontra-se sempre em uma determinada vinculação moral e política, a partir da qual ele adquire a imagem das coisas. GVM II 2

Na realidade, isso significa que o fim, guiados para o qual pautamos o todo de nossa vida, e o seu desenvolvimento nas imagens diretrizes e éticas da atuação, tal como as descreve Aristóteles em sua ética, não pode ser objeto de um saber simplesmente ensinável. GVM II 2

Antes, a doutrina das virtudes de Aristóteles apresenta formas típicas de justo meio, que convém adotar no ser e no comportamento humano, mas o saber ético que se guia por essas imagens diretrizes é o mesmo saber que deve responder aos estímulos da situação de cada momento. GVM II 2

O saber-se, de que fala Aristóteles, se determina precisamente pelo fato de conter a aplicação completa e porque aciona seu saber na imediatez da situação dada. GVM II 2

As modificações que Aristóteles apresenta no contexto de sua análise da phronesis são uma boa demonstração disso. GVM II 2

Isso se torna mais claro nos outros tipos de reflexão ética que Aristóteles apresenta: penetração de espírito e tolerância. GVM II 2

Aristóteles ilustra de novo a peculiaridade do saber ético e da virtude, que está em seu poder, com a descrição de uma variedade e uma degeneração desse saber ético. GVM II 2

De uma maneira muito semelhante à do primeiro capítulo da Metafísica) Aristóteles descreve aqui como acaba se dando a experiência, a unidade una da experiência, a partir de muitas percepções individuais, através da retenção desses muitos elementos individuais. GVM II 2

Aristóteles adota, antes, uma posição intermediária, surpreendentemente indeterminada, entre as muitas percepções individuais e a generalidade do conceito. GVM II 2

Evidentemente Aristóteles se apoia aqui num raciocínio que em seu tempo já possuía uma certa cunhagem clássica. GVM II 2

Um nexo parecido surge quando Esquilo destaca, no Prometeu, o papel da mneme, e ainda que sintamos falta de uma ênfase correspondente no mito platônico de Protágoras, Platão mostra, tal como Aristóteles, que isso já é, naquele momento, uma teoria firmada. GVM II 2

Seja como for, o que importa é reter que a generalidade da experiência, de que fala Aristóteles, não é a generalidade do conceito nem da ciência. ( GVM II 2

Aristóteles encontra uma esplêndida imagem para a lógica desse procedimento. GVM II 2

Esta é a generalidade da experiência, através da qual surge, segundo Aristóteles, a verdadeira generalidade do conceito e a possibilidade da ciência. GVM II 2

Entretanto, quando se pensa na essência da experiência somente por referência à ciência, como faz Aristóteles, simplifica-se o processo no qual se produz. GVM II 2

Como se o que é típico da experiência se oferecesse a si mesmo, sem contradições! Aristóteles assume como dado de antemão esse comum que fica em repouso em meio à fuga das observações e se configura como geral; a generalidade do conceito é para ele um prius ontológico. GVM II 2

O que interessa a Aristóteles na experiência é unicamente a sua contribuição à formação dos conceitos. GVM II 2

Para o momento dialético da experiência, uma testemunha importante já não é Aristóteles mas Hegel. GVM II 2

A essência da experiência hermenêutica fica assim nivelada da mesma maneira que tivemos ocasião de perceber na interpretação teleológica do conceito da indução, desde Aristóteles. GVM II 2

Aristóteles diz, lá, que a dialética é a capacidade de investigar o contrário, inclusive independentemente do quê, e (de investigar) se para coisas contrárias pode existir uma e a mesma ciência. GVM II 2

Em Aristóteles, “problema” diz respeito ao gênero de perguntas que se mostram como alternativas abertas, porque tudo fala a favor de ambos os lados, e porque não cremos poder resolvê-las com fundamentos, já que são perguntas demasiadamente grandes. GVM II 2

É verdade que o próprio Aristóteles não coloca expressamente a formação dos conceitos em relação com o problema da formação das palavras e o aprendizado da linguagem, mas Temístio, em sua paráfrase, não tem dificuldade em exemplificá-la com a aprendizagem da linguagem pelas crianças. GVM III 2

São Tomás, por exemplo, elabora sistematicamente a doutrina cristã, desenvolvida a partir do prólogo do Evangelho de João, mediada com o pensamento de Aristóteles. GVM III 2

Mais tarde, Aristóteles demonstrou as estruturas lógicas que constituem a frase, e correpondentemente o juízo, ou o nexo de frases, ou correspondentemente a conclusão. GVM III 2

O fato de que a linguagem submeta a conceituação natural à estrutura essencial da lógica, como ensina Aristóteles e, na sua esteira, também Tomás, somente possui pois uma verdade relativa. GVM III 2

Assim, Aristóteles poderá dizer: “transpor bem é reconhecer o comum” . GVM III 2

Com esse dado concorda também o fato de que Aristóteles confira sempre maior importância ao modo como se torna visível, no falar sobre as coisas, a ordem destas. ( GVM III 2

As “categorias” — e não somente o que em Aristóteles recebe expressamente esse nome — são formas de enunciação). GVM III 2

E de fato, embora também para Aristóteles seja fundamental a desmitificação platônica da fala — motivo decisivo de sua própria elaboração da “lógica” — e ainda que ele próprio tivesse o maior empenho em copiar a ordem da essência, lançando mão conscientemente da lógica da definição, e em particular na descrição classificatória da natureza, assim como em livrá-la de todos os acasos linguísticos, ele mesmo fica atado por completo à unidade de linguagem e pensamento. GVM III 2

Quando Aristóteles diz que os sons e os signos escritos “designam”, quando se convertem em symbolon, isso significa evidentemente que não são por natureza, mas por convenção (kata suntheken). GVM III 2

Entretanto, mesmo essa origem do nomos caracteriza, na opinião de Aristóteles, mais a sua validez que a sua verdadeira gênese. GVM III 2

Isso não quer dizer que Aristóteles já não mais reconheça a tradição religiosa, mas que, para ele, esta, tal como qualquer outra pergunta sobre a gênese de algo, é um caminho para o conhecimento do ser e do valer. GVM III 2

A convenção de que fala Aristóteles em relação à linguagem caracteriza pois o modo de ser da linguagem e não diz nada sobre a sua gênese. GVM III 2

Já vimos que Aristóteles, aqui, deixa aberto, de maneira muito engenhosa, o problema de como chegam a se formar na realidade os conceitos gerais. GVM III 2

Por isso a conceituação linguística possui também, segundo Aristóteles, uma liberdade inteiramente não dogmática; o que na experiência se destaca como comum entre o que nos vem ao encontro e o que se erige em generalidade, tem o caráter de um mero desempenho precedente que está, obviamente, no começo da ciência, mas que não é ainda ciência. GVM III 2

Isso é o que Aristóteles traz ao primeiro plano. GVM III 2

Por isso Aristóteles critica, a partir de seu ideal da demonstração, tanto a doutrina comum de Speusipo como a dialética diairética de Platão. GVM III 2

Isso já o tinha visto com clareza Aristóteles: enquanto que o grito dos animais induz sempre seus companheiros de espécie a uma determinada conduta, o entendimento linguístico através do logos está dirigido para pôr a descoberto o que é como tal. GVM III 3

Por outro lado, numa comunidade linguística real não nos pomos primeiro de acordo, mas estamos já sempre de acordo, como o mostrou Aristóteles. GVM III 3

Aristóteles disse que a atitude teórica na vida somente pôde emergir quando já dispunha de todo o necessário para satisfazer as necessidades da vida. GVM III 3

Tanto o simbolismo de letras, com o qual Aristóteles tanto trabalha na lógica, como sua descrição proporcional e relativa dos processos do movimento, com a qual opera na física, são evidentemente algo muito diferente do modo como se aplica a matemática no século XVII. GVM III 3

E Aristóteles dirá que a alma é, de um certo modo, todo ente. GVM III 3

Essa diferença entre ver e ouvir é para nós importante, porque ao fenômeno hermenêutico subjaz uma verdadeira primazia do ouvir, como Aristóteles já reconhece. GVM III 3

Seja qual for o caso, Platão não é um metafísico desses, e Aristóteles muito menos, ainda que em certas ocasiões acredite-se ser o contrário”. GVM III 3

De um modo parecido, a filosofia medieval vincula estreitamente o conceito do belo com” o do bom, bonum, tão estreitamente que uma passagem clássica de Aristóteles sobre o kalon ficou incompreendida na Idade Média porque o termo grego tinha sido traduzido diretamente por bonum. GVM III 3

Aristóteles enumera como momentos (eidé) do belo, a ordem (taxis), a correta proporcionalidade (symmetria) e a determinação (horismenon), e encontra esses momentos representados exemplarmente na matemática. GVM III 3

Aristóteles já dizia das “obras bem feitas”, que a elas não se pode nem acrescentar nem tirar nada: este meio sensível, esta precisão das relações de medida, forma parte da essência mais antiga do belo. GVM III 3

A isso alude aquela profunda analogia platônica, a partir da qual Aristóteles desenvolveria a doutrina do nous, e na sua esteira, o pensamento cristão medieval, a doutrina do intellectus agens. GVM III 3

Em Aristóteles, eles desempenham algum papel apenas no nível da crítica, não fazendo parte do acervo conceitual da metafísica, no que se refere à configuração escolástica fundada por Aristóteles. GVM II Introdução 1

Remeto novamente para a meu tratado acadêmico sobre a ideia do bem, onde, pelo contrário, procuro demonstrar que o próprio Aristóteles era mais platônico do que se costuma admitir, e que o projeto aristotélico da ontoteologia é apenas uma das perspectivas que Aristóteles extraiu de sua física e que se encontram reunidas nos livros da metafísica. GVM II Introdução 1

Mesmo a Metafísica de Aristóteles possui dimensões diferentes do que as que foram reveladas por Heidegger em seu tempo. GVM II Introdução 1

Ele recebeu também um impulso do próprio núcleo da metafísica de Aristóteles, e principalmente da Física, como mostra seu artigo sobre a Physis, muito rico em perspectivas. GVM II Introdução 1

Ademais, orientei-me pelo modelo da filosofia prática de Aristóteles. GVM II Introdução 1

Eu já tinha isto em mente nos meus primeiros trabalhos sobre Platão e Aristóteles. GVM II Introdução 1

Há que se aprender com Aristóteles que o conceito grego de ciência, episteme, significa conhecimento racional. GVM II Introdução 1

Isto já era o sentido do questionamento socrático pelo bem, mantido por Platão e Aristóteles. GVM II Introdução 1

Assim fala Aristóteles: Um juízo é verdadeiro quando deixa e propõe uma reunião daquilo que está reunido na coisa; um juízo é falso quando deixa e propõe uma reunião no discurso daquilo que não está reunido na coisa. GVM II Prel. 4

Isso pode ser uma afirmação unilateral, que não encontra um respaldo inequívoco em Aristóteles. GVM II Prel. 4

Mas que tipo de ser é este que convém à linguagem? Aquele de um meio de entendimento? Parece-me que, ao desvincular o conceito da syntheke do seu sentido ingênuo de “convenção”, Aristóteles já havia chamado a atenção para o verdadeiro caráter ontológico da linguagem. GVM II Prel. 6

Ao excluir toda e qualquer fundação e gênesis do conceito de syntheke, Aristóteles indicou a direção daquela correspondência entre alma e mundo, que aflora no fenômeno da linguagem, independentemente da extrapolação forçada de um espírito infinito, pela qual a metafísica deu uma fundamentação teológica a essa correspondência. GVM II Prel. 6

Será que isso significa que, enquanto o objeto da filosofia e no modo como se relaciona com o que é, esclarecendo e conhecendo, o conceito é, por assim dizer, o autodesenvolvimento do pensamento? De certo, essa é a resposta da tradição desde Aristóteles até Hegel. GVM II Prel. 7

No livro Gamma (O da Metafísica, Aristóteles distinguiu a filosofia e sobretudo a metafísica, a filosofia primeira, como conhecimento em geral, afirmando que todas as outras ciências têm um âmbito positivo e assim um objeto específico. GVM II Prel. 7

Aristóteles descreveu a essência do problema dialético, afirmando que são as questões grandes e insolúveis que se devem lançar ao adversário numa disputa verbal. GVM II Prel. 7

Sujeito”, em grego, é hypokeimenon, o subjacente, palavra introduzida por Aristóteles para designar, diante da mudança de diversas formas fenoménicas do ente, aquilo que não muda, e subjaz a essas qualidades mutáveis. GVM II Prel. 7

Isto porque Aristóteles compreendeu hylé, que originariamente significa madeira para construção, empregada para com ela se fazer algo, como um princípio ontológico. GVM II Prel. 7

Seria, no entanto, subestimar Aristóteles, acreditar que o conceito aristotélico de hylé equivaleria ao conceito tosco de um material que é por si e que depois o artesão espiritual toma e lhe imprime “forma”. GVM II Prel. 7

Com esse conceito tosco tirado do universo do artesão, Aristóteles quis descrever sobretudo uma relação ontológica, um momento estrutural do ser que exerce sua função em todo pensamento e conhecimento dos entes, não apenas naquilo que nos rodeia como natureza, mas também no âmbito da matemática (noété hylé). GVM II Prel. 7

A isso corresponde a teoria clássica da definição de Aristóteles, segundo a qual a definição contém o gênero próximo e a diferença específica. GVM II Prel. 7

Assim também em Aristóteles, e não apenas na sua “escola”, a função ontológica do conceito de matéria não foi pensada adequadamente e nem explicitada conceptualmente, de tal modo que a escola aristotélica já não pôde sustentar a intenção do pensamento original. GVM II Prel. 7

A história do conceito deve seguir um movimento de pensamento que força a ultrapassar sempre o uso ordinário da linguagem e liberar a orientação semântica das palavras de seu emprego originário, ampliando ou restringindo, comparando ou distinguindo, como procedeu de modo sistemático Aristóteles no catálogo de conceitos do livro A da Metafísica. GVM II Prel. 7

Como já ressaltei certa vez, em seu próprio uso da linguagem, Aristóteles acaba não seguindo a diferenciação de phronesis e sophia, por ele encontrada na Ética a Nicômaco. GVM II Prel. 7

Mesmo assim, quando Aristóteles trata da questão do logos apophantikos, no tratado Peri hermeneias, ele só tem em mente o sentido lógico do enunciado, concentrando-se no outro componente semântico, puramente cognitivo. GVM II Prel. 8

Nesse sentido, Aristóteles havia delimitado, na Ética a Nicômaco, o espaço hermenêutico relativo à teoria do direito, ao discutir o problema do direito natural e do conceito da epieikeia. GVM II Prel. 8

A lógica da indução, descrita por Aristóteles e desenvolvida por F. GVM II Prel. 8

Já Temístio, em seu comentário a Aristóteles, ilustrou este capítulo correspondente de Aristóteles (An. GVM II Prel. 8

É de Aristóteles a definição clássica do homem como o ser vivo que possui logos. GVM II Compl. 11

Em certa passagem, Aristóteles estabeleceu a diferença entre homem e animal do seguinte modo: os animais têm a possibilidade de entender-se mutuamente, mostrando uns aos outros o que lhes causa prazer, a fim de poder buscá-lo, e o que lhe causa dor, a fim de evitá-lo. GVM II Compl. 11

E Aristóteles acrescenta depois que, com isso, também se dá o sentido para o justo e o injusto… e tudo isso porque o homem é o único ser que possui o logos. GVM II Compl. 11

Penso que é novamente em Aristóteles que se encontra a mais sábia descrição do processo de aprendizagem da fala. GVM II Compl. 11

Aristóteles pergunta então: como pode realmente dar-se esse conhecimento do comum? Com certeza não é no transcurso dos fenômenos, um após o outro, que de repente o conhecimento do comum se estabelece num determinado elemento singular que reaparece e é reconhecido como o mesmo. GVM II Compl. 11

Onde começou? Aristóteles apresenta uma imagem ideal para isso: Como chega a deter-se um exército em fuga? Onde começa a deter-se? Não é, com certeza, pelo fato de o primeiro soldado ter parado, ou o segundo ou o terceiro. GVM II Compl. 11

Realmente o homem é o ser que possui linguagem, segundo a afirmação de Aristóteles. GVM II Compl. 11

A escolha dos recursos corretos e do material apropriado, a sucessão artesanalmente correta das diversas fases do trabalho podem ser elevadas a um grau de perfeição ideal que fica contestada a frase citada por Aristóteles: “A techne ama a tychne e a tychne ama a techne”. “ GVM II Compl. 12

Se não fosse assim, não poderia haver nem o seu ensino e aprendizagem e nem o saber filosófico que Aristóteles desenvolveu no projeto de sua ética e de sua política. GVM II Compl. 12

Aristóteles refletiu profundamente sobre essa confusão. GVM II Compl. 12

Em Aristóteles, por exemplo, a relação entre a arte política e o sentido político (téknne e phronesis) parece não representar nenhum problema real. GVM II Compl. 12

Esse modo de comportar-se foi, com toda razão, considerado por Aristóteles como um modo distinto da técnica. GVM II Compl. 12

Aristóteles descreveu esse começo espetacularmente quando disse que o que esperamos depende do grau de conhecimento que temos de um contexto. GVM II Compl. 14

O exemplo de Aristóteles é o seguinte: ao descobrir que a raiz de dois é irracional, portanto, que a relação entre a diagonal e o comprimento dos lados de um quadrado não pode ser expressa racionalmente, percebemos que não se é matemático. GVM II Compl. 14

Aristóteles, o fundador dessa parte da lógica, o magistral analítico desse processo escolástica do pensamento lógico, produziu-a pela formalização de frases enunciativas e de seus nexos conclusivos. GVM II Compl. 14

E o que deixa claro Aristóteles no contexto de sua teoria do enunciado, quando se refere à prece e à súplica, à maldição e à ordem. GVM II Compl. 14

Esse caminho de toda experiência para o conceito e o universal já foi descrito magistralmente por Aristóteles numa esplêndida imagem. GVM II Compl. 15

Para tanto, Aristóteles encontrou uma bela comparação. GVM II Compl. 15

O que significa reconhecê-las “como tais”? Quando se estabelece a unidade desse universal? A imagem dada por Aristóteles é a de um exército em fuga. GVM II Compl. 15

Aristóteles definiu o homem como o ser que possui linguagem e linguagem apenas se dá no diálogo. GVM II Compl. 16

Para isso, reporto-me a uma passagem de Aristóteles que gostaria de explicitar mais detalhadamente, uma vez que ela descreve de modo genial o ato da formação da linguagem, a partir de certa perspectiva. GVM II Outros 17

Trata-se do que Aristóteles chama de Epagoge, isto é, a formação do universal. GVM II Outros 17

Aristóteles descreveu esse processo de maneira maravilhosa. GVM II Outros 17

No modo de Aristóteles descrever essa cena, encontramos um fino chiste de linguagem. GVM II Outros 17

A primeira história da retórica foi escrita por Aristóteles. GVM II Outros 18

Aristóteles fez suas formulações, porém, seguindo um esquema projetado primeiramente por Platão. GVM II Outros 18

É estranho que Habermas conceba de modo unilateral o processo de aprendizagem e educação que emprego (na perspectiva da ética de Aristóteles). GVM II Outros 18

E mesmo onde se elaborou uma explicação fundamental sobre a diferença entre um saber produtivo (techne) e um saber prático (Phronesis), na Ética de Aristóteles, em muitos pontos não fica claro como se relaciona o saber político do homem de estado e do agente político com o saber técnico do especialista. GVM II Outros 19

Isso não pode ser ensinado, como já Platão gostava de demonstrar aos filhos dos grandes homens de Atenas, e como Aristóteles, que ensinava em Atenas, mesmo não sendo ateniense, qualificando como sofistas (e não como politólogos) e rechaçando os especialistas em fundações ideais do Estado e no estabelecimento de constituições, que vinham a Atenas. GVM II Outros 19

Mas mesmo que isso tenha sido muito claro para Aristóteles e ele tenha elaborado magistralmente a própria estrutura do saber prático frente à estrutura do saber técnico, ficou em aberto ainda uma questão: Que tipo de saber é esse pelo qual Aristóteles chegou a essas distinções e as ensinava? E que tipo de saber é a ciência prática (e política)? Esse saber não é simplesmente um exercício superior daquele saber prático que Aristóteles descreveu e analisou como phronesis. GVM II Outros 19

Quem sabe a “filosofia prática” se distinga da “ciência teórica” em Aristóteles exatamente pelo fato de que o “objeto” dessa ciência não é o permanente e os princípios e axiomas supremos, mas a práxis humana sujeita à constante mudança. GVM II Outros 19

Aristóteles reconhece que esses “discursos gerais” sobre o que seja a mais própria práxis concreta de cada um só se justificam se se estiver tratando com alunos maduros o bastante para empregar esses discursos gerais em circunstâncias concretas de sua experiência vital com responsabilidade autônoma. GVM II Outros 19

Mesmo face à “nova função da ciência” dentro da sociedade vale lembrar que a racionalidade da capacidade de fazer — o que Aristóteles chamou de techne — é diferente e não uma espécie de reflexão inferior daquela que se dá no consenso racional dos cidadãos. GVM II Outros 19

O próprio Aristóteles já chamava a retórica de dynamis e não techne, tal a sua pertença ao zoon logon echon. GVM II Outros 19

O que me interessa, penso que pode ser identificado como um velho problema que já Aristóteles tinha em mente em sua crítica à ideia geral do bem, de Platão. GVM II Outros 19

Isso porque o que caracteriza Jungius, e não apenas aos olhos de um Leibniz, tornando-o um dos grandes pioneiros da nova ciência do século XVII é justamente seu claro afastamento do modo de proceder dialético e hermenêutico e sua aproximação com a empiria e com uma lógica demonstrativa (em todo caso, purificada do endeusamento servil de Aristóteles). GVM II Outros 20

Assim, a revitalização humanista da retórica, que apelava mais a Cícero e Quintiliano do que a Aristóteles, desviou-se rapidamente das origens e entrou em novos campos de forças que transformam sua figura e sua influência. GVM II Outros 20

Mas a lógica da verossimilhança está demasiadamente subordinada à lógica para poder, com o tempo, arrebatar a primazia à lógica da necessidade exposta por Aristóteles em sua Analítica. GVM II Outros 20

E claro que tem presente também as controvérsias teológicas, mas ao relacionar estreitamente a retórica com a dialética, Melanchton segue a Aristóteles e à tradição medieval e humanista, o que significa, sem atribuir-lhe nenhum âmbito especial, mas sublinhando sua aplicabilidade e utilidade geral. GVM II Outros 20

Também Aristóteles segue esse esquema conceitual retórico quando em sua Poética descreve a construção de uma tragédia: hosper zoon hen holon. GVM II Outros 20

Uma das teses do Platão mais autêntico (tese que Aristóteles comentou e buscou fundamentar) também é que a essência da retórica não se esgota nessas artes que se podem formular como regras técnicas. GVM II Outros 20

Esse autor parece ter sido o primeiro a utilizar a palavra “hermenêutica” em sentido terminológico, em estreita conexão com o escrito correspondente do Organon de Aristóteles. GVM II Outros 20

Isso mostra que a intenção de Dannhauer é continuar e acabar o que Aristóteles havia iniciado com seu escrito Peri hermeneias. GVM II Outros 20

Como ele mesmo afirmou: “os limites do Organon de Aristóteles se ampliam com a anexação de uma nova cidade”. GVM II Outros 20

O próprio Dannhauer, um teólogo de Estrasburgo dos inícios do século XVII, professa-se seguidor do Organon de Aristóteles, que o teria libertado das confusões da dialética de sua época. GVM II Outros 20

Isso pode ser constatado em ambas as orientações e fundamenta-se na problemática peculiar entranhada no conceito de “teoria da arte” que tem sua origem na formulação de conceitos introduzida por Aristóteles. GVM II Outros 20

Convém recordar aqui o lugar especial que ocupa a filosofia prática em Aristóteles. GVM II Outros 20

Mas mesmo assim não se cultiva pelo mero desejo de saber, como acentua Aristóteles em sua Ética, mas por causa da arete, isto é, por causa do ser e agir práticos. GVM II Outros 20

Pois bem, parece-me digno de nota que se possa afirmar o mesmo a respeito do que Aristóteles, no livro VI da Metafísica, chama “poietike philosophia” e que abarca tanto a poética como a retórica. GVM II Outros 20

Redescobriu por si mesmo o Organon de Aristóteles e essa descoberta representou para ele o inicio de toda sua existência espiritual. GVM II Outros 21

É evidente que o retorno ao verdadeiro Aristóteles o imuniza contra a lógica ramista (60) e permite-lhe encontrar uma confirmação no aristotelismo de Altorfer. GVM II Outros 21

Junto à lógica do enunciado, desenvolvida no escrito Peri hermeneias de Aristóteles, Dannhauer coloca a hermenêutica generalis como uma “nova cidade” (50). GVM II Outros 21

Pelo que me parece, esse método é uma continuação livre do sincretismo da Antiguidade tardia da lógica aristotélica e da dialética platônica sobre a qual Aristóteles apresenta apenas algumas amostras escassas: Aristóteles refere-se sempre ao conceito geométrico de analyein, tanto ao transformar o procedimento dedutivo e demonstrativo num tema da lógica como ao aplicá-lo à estrutura da reflexão prática (busca dos meios para o fim). GVM II Outros 21

Encontramos aqui a conexão do problema hermenêutico com a tradição da filosofia prática desde Aristóteles, defendida por J. GVM II Outros 21

Ora, há pelo menos um paradigma nos moldes da teoria da ciência que poderia dar uma certa legitimidade a essa reorientação da reflexão metodológica das ciências do espírito, e essa é a “filosofia prática” fundada por Aristóteles. GVM II Outros 22

Frente à dialética platônica, entendida como um saber teórico, Aristóteles reivindicou para a filosofia prática uma autonomia peculiar e iniciou uma tradição que exerceria sua influência até o século XIX a dentro, e acabaria sendo dissolvida no século XX pela “ciência política” ou “politologia”. GVM II Outros 22

Mas, apesar de toda determinação com que Aristóteles apresenta a ideia da filosofia prática contra a ciência unitária da dialética de Platão, o aspecto teórico-científico da chamada “filosofia prática” permaneceu na penumbra. GVM II Outros 22

Ora, isso corresponde sem dúvida ao princípio geral metodológico de Aristóteles, segundo o qual o método deve reger-se sempre por seu objeto, e o tema aparece claro no que se refere aos objetos. GVM II Outros 22

Poderia parecer que Aristóteles está falando aqui do saber técnico (o do médico, por exemplo) e do saber prático daquele que toma uma decisão racional (prohairesis), como se esse saber, ele mesmo, constituísse a ciência poiética ou prática que corresponde à física. GVM II Outros 22

É importante observar que aqui Aristóteles não reflete sobre essa distinção. GVM II Outros 22

Por isso, estabelecer condições especiais de cientificidade, que sejam válidas para essas esferas, sobretudo quando Aristóteles as caracterizava com a vaga indicação de que são ciências menos exatas, é um problema extremamente árduo. GVM II Outros 22

No caso da filosofia prática, a situação é muito mais complexa e exigiu de Aristóteles uma certa reflexão metodológica. GVM II Outros 22

Tampouco é possível explicar como Aristóteles coloca e resolve o mesmo problema sublinhando as condições especiais que encontra o aprendiz capaz de receber de modo razoável uma instrução teórica sobre o “bem prático”. GVM II Outros 22

Aristóteles teria encontrado a importante distinção entre ciência, techne e racionalidade prática (phronesis). GVM II Outros 22

Sobre esse fundo é preciso ver a distinção entre filosofia teórica, filosofia prática e filosofia poiética, que se inicia em Aristóteles e deve determinar o grau teórico-científico de sua filosofia prática. GVM II Outros 22

E uma capacidade de aprendizagem, e isso o sublinha ainda Aristóteles quando trata da synesis. GVM II Outros 22

Mesmo assim, a retórica de Aristóteles exerceu pouca influência na tradição da retórica antiga. GVM II Outros 22

Mas justamente em virtude de seu “caráter filosófico”, que a associava, como disse Aristóteles, à dialética e à ética (peri ta ethe pragmateia, Theet. GVM II Outros 22

Melanchton observou que, assim como os oradores, no começo de seus escritos, Aristóteles indica a perspectiva a partir da qual é preciso compreender suas afirmações. GVM II Outros 22

Independentemente de toda codificação, a tarefa de busca do direito e do juízo correto implica uma inevitável tensão, já analisada por Aristóteles: a tensão entre a universalidade da legislação vigente — codificada ou não — e a particularidade do caso concreto. GVM II Outros 22

Quando partimos da panorâmica do desenvolvimento da hermenêutica moderna e remontamos à tradição aristotélica da filosofia prática e da teoria da arte, é necessário perguntarmos até que ponto a tensão existente em Platão e Aristóteles entre um conceito técnico de ciência e um conceito prático-político, que inclui os fins últimos do ser humano, pode ser útil no terreno da ciência moderna e de sua teoria. GVM II Outros 22

Da dupla referência que a hermenêutica mantém com a retórica tradicional e com a filosofia prática de Aristóteles parece desprender-se que o problema da hermenêutica pode experimentar uma clareza muito maior do que seria possível partindo da problemática imanente à metodologia científica atual. GVM II Outros 22

É uma tarefa muito árdua determinar o lugar que ocupa uma disciplina como a retórica aristotélica no âmbito da teoria da ciência. Mas temos razões para associá-la à poética e não podemos negar aos dois escritos atribuídos a Aristóteles sua intenção teórica. Não pretendem substituir os manuais técnicos nem promover a arte da palavra e da poesia num sentido técnico. Aristóteles coloca essas artes no mesmo nível que a medicina e a ginástica, que nesse contexto ele qualifica como ciências técnicas. Não foi exatamente em sua “Política”, onde elaborou teoricamente um imenso material sobre o saber político, que Aristóteles ampliou o horizonte de problemas da filosofia prática de tal modo que a questão a respeito da melhor constituição, e assim, uma questão prática, a questão do “bem”, elevou-se acima da variedade das formas de constituição estudadas e analisadas por ele? Como é que a arte da compreensão a que damos o nome de hermenêutica irá encontrar então seu lugar no horizonte do modo de pensar aristotélico? GVM II Outros 22

Trata-se sem dúvida de uma definição mais estrita da palavra, também usada por Aristóteles em sentido neutro, que corresponde ao pertinente estreitamento terminológico de techne e phronesis no mesmo contexto. GVM II Outros 22

Em sua ética, Aristóteles analisa propriamente as “virtudes”, conceitos normativos que estão sempre sob a pressuposição de validade normativa. GVM II Outros 22

Ela está, antes, inseparavelmente ligada ao que Aristóteles chama de ethos. GVM II Outros 22

Mas o próprio Aristóteles se pergunta o que significam essas duas “partes” da alma e se não devem ser concebidas, antes, como dois aspectos diversos do mesmo fenômeno, como o convexo e o côncavo. GVM II Outros 22

O que Burnet considerou uma adaptação de Aristóteles ao uso de linguagem que faz Platão do termo technesl tem seu verdadeiro fundamento na interferência que existe entre o saber “poiético” da techne e a “filosofia prática” que estuda “o bem” dentro de uma generalidade típica. GVM II Outros 22

Mesmo assim, Aristóteles reflete também sobre o papel que pode desempenhar a politike na vida prática. GVM II Outros 22

Assim, a filosofia prática de Aristóteles difere do saber técnico supostamente neutro do especialista, que aborda as tarefas da política e da legislação como um observador distante. GVM II Outros 22

Esse é o ensinamento inequívoco de Aristóteles no capítulo que passa da ética à política. GVM II Outros 22

Mas podem apelar com razão sobretudo para o paradigma da filosofia prática, que em Aristóteles poderia ser chamada também de “política”. GVM II Outros 22

Aristóteles classificou essa ciência como “a ciência mais arquitetônica”, uma vez que reunia em si todas as ciências e artes do saber antigo. GVM II Outros 22

Que lugar ocupam as humanities, as “ciências do espírito, no universo das ciências? Tentarei mostrar que a filosofia prática de Aristóteles — e não o conceito moderno de método e de ciência — representa o único modelo viável para formarmos uma ideia adequada das ciências do espírito. GVM II Outros 23

Essas observações prévias serviram para dar credibilidade ao significado da filosofia prática de Aristóteles e da tradição despertada por esta. GVM II Outros 23

Aristóteles desenhou a filosofia prática, que engloba a política, num debate aberto com o ideal da teoria e da filosofia teórica. GVM II Outros 23

Pois bem, qual é o lugar teórico dessa vontade de saber e da reflexão sobre praxis e política? Aristóteles fala ocasionalmente de uma divisão da “filosofia” em três ramos: filosofia teórica, prática e poética (com essa última legou-nos a conhecida “poética”, nela incluindo também a retórica ou a criação de discursos). GVM II Outros 23

A pergunta de Aristóteles é a seguinte: em que consiste essa racionalidade prática entre a autoconsciência do cientista e a do especialista, do fautor, do engenheiro, do técnico, do artesão etc. GVM II Outros 23

Que relação tem essa virtude da racionalidade com a virtude da cientificidade e a virtude da competência técnica? Mesmo sem conhecer nada de Aristóteles, deve-se reconhecer que essa racionalidade prática possui um lugar relevante. GVM II Outros 23

A “filosofia prática” de Aristóteles está baseada nessa verdade, personificada por Sócrates. GVM II Outros 23

Aristóteles é o fundador da ética porque deu realce a esse caráter da factualidade como sendo decisivo. GVM II Outros 23

Uma ciência com pressupostos de conteúdo! Aqui surge, a meu ver, a verdadeira problemática epistemológica sob a qual se encontra a filosofia prática. Aristóteles refletiu sobre isso. GVM II Outros 23

Essa é a doutrina da filosofia prática de Aristóteles, também chamada por ele de “política”. GVM II Outros 23

Seguindo Aristóteles, não precisamos buscar, partindo de um conceito geral de ciência, o caráter específico desse saber a respeito do que é humano. GVM II Outros 23

A filosofia prática de Aristóteles se equivocaria se fundamentasse seu princípio no “que” (dass), sem reconhecer que ela própria, enquanto filosofia, como um querer saber teórico, não pode depender de algo que aparece na experiência como um ethos concreto e como uma razão que atua praticamente. GVM II Outros 23

Em certa passagem, Aristóteles descreve o congelamento de um líquido, que de repente, ao ser agitado, sofre uma mudança súbita. GVM II Outros 24

Hegel destacou formalmente a grande energia de Aristóteles na formação da linguagem e dos conceitos, e seguiu de perto seu egrégio exemplo ao procurar salvar na linguagem do conceito muito do espírito de sua língua materna. GVM II Outros 25

Essa cunhagem conceitual pode criar uma forte tradição, como é o caso da lógica e da ontologia de Aristóteles, gerando consequentemente uma alienação que já começa cedo com a cultura escolar helenística e progride na transposição para o latim. GVM II Outros 25

[…] Heidegger foi realmente aquele que não ficou preso às modificações e perpetuações do legado da metafísica realizadas pelo neokantismo de Marburgo e pela reformulação neokantiana da fenomenologia de Husserl. O que ele buscou como superação da metafísica não se esgotou no gesto de protesto, como é o caso da esquerda hegeliana e de figuras como Kierkegaard e Nietzsche. Ele empreendeu essa tarefa pelo árduo trabalho do conceito, aprendido em Aristóteles. GVM II Outros 25

Sobretudo a partir da análise do tempo de Aristóteles, tentou inferir que “o tempo” aparece diante do ser como difierance. GVM II Outros 25

Com isso, torna-se incompreensível o que pensa Heidegger ao colocar intencionalmente Nietzsche na mesma linha de Aristóteles — o que não significa que o coloque no mesmo ponto de Aristóteles. GVM II Anexos Exc. III

Ao contrário, por causa desse atropelo, o próprio Löwith vê-se enredado no absurdo de tratar a teoria nietzschiana do eterno retorno como uma espécie de Aristóteles redivivo. GVM II Anexos Exc. III

Para Aristóteles, na verdade, o eterno processo circular da natureza era o aspecto mais óbvio e evidente do ser. GVM II Anexos Exc. III

Isso porque a expressão nunca é um mero signo que nos remete a um outro, a algo interior; na expressão, ao contrário, está presente aquilo mesmo que é expresso, por exemplo, a raiva está no semblante raivoso. O moderno diagnóstico expressivo sabe disto muito bem, mas o próprio Aristóteles já sabia disso. GVM II Anexos Exc. VI

Se não estou enganado, o próprio Aristóteles já havia visto claramente este ponto, na medida em que não atribuiu nenhuma função positivo-dogmática ao pensamento do direito natural, mas simplesmente uma função crítica. GVM II Anexos 27

O fato de Aristóteles diferenciar o direito convencional do direito natural, mas também de declarar que os direitos naturais são mutáveis, sempre foi considerado chocante (há inclusive quem conteste esse fato, dizendo que se trata uma interpretação errônea de Aristóteles). GVM II Anexos 27

O direito natural e a lei constitucional não são “mutáveis no mesmo sentido”. Ao contrário, quando observamos fenômenos comparáveis queremos ressaltar que também o direito natural é mutável, sem deixar de ser distinto do direito por mera instituição. É claro que as leis de trânsito, por exemplo, são mutáveis numa proporção muito mais acelerada do que as do direito natural. Aristóteles não quer atenuar essa realidade. GVM II Anexos 27

Assim creio ter mostrado que tanto o direito codificado quanto o texto escrito, herdado da tradição, apontam para um nexo profundo, que diz respeito ao relacionamento entre compreensão e aplicação. Não causa nenhuma surpresa o fato de Aristóteles ser a maior testemunha disto. GVM II Anexos 27

O questionamento de Platão a respeito do Estado optimal, e mesmo a ampla empiria política de Aristóteles que sustenta a primazia dessa questão, têm muito pouco a ver com o conceito de política que domina o pensamento moderno desde Machiavell. GVM II Anexos 27

Mas o verdadeiro sentido de seu livro também é esclarecer que os clássicos gregos da filosofia, Platão e Aristóteles, são os verdadeiros fundadores do direito natural e não deixar que se sustente a validade filosófica do direito natural estoico nem do medieval, sem falar do da época do Iluminismo. GVM II Anexos 27

essas ideias não ocorrem a alguém quando lê os clássicos a partir da perspectiva da ciência histórica, reconstruindo sua opinião e mesmo assim acreditando piamente ser possível, por assim dizer, que eles tenham razão? Ou será que não encontramos neles certa verdade porque ao procurar compreendê-los já sempre pensamos por nós mesmos, o que significa dizer que suas proposições parecem ser verdadeiras a partir das correspondentes teorias modernas em voga? Será que podemos compreender realmente essas proposições, sem compreendê-las ao mesmo tempo como mais corretas? Se esse for o caso, pergunto novamente: Não faz sentido, então, dizer a respeito de Aristóteles: “ele próprio não pôde compreender-se a si mesmo como nós o compreendemos. GVM II Anexos 27

A vida do espírito não é como a do corpo. O reconhecimento desse fato não significa um falso historicismo. Significa estar em perfeita harmonia com Aristóteles: epidosis eis auto. GVM II Anexos 27

De certo, a base ontológica de Aristóteles tornou-se suspeita para ele já em seus primeiros ensaios. GVM II Anexos 27

Mas na filosofia de Aristóteles havia um ponto que na época representava para Heidegger muito mais que um mero contraste. GVM II Anexos 27

O que mais me admira na defesa que Strauss faz da filosofia clássica é seu esforço por compreendê-la como uma unidade, de modo que a oposição extrema entre Platão e Aristóteles tanto em relação à forma quanto ao sentido da questão pelo bem parece não lhe causar preocupações. GVM II Anexos 27

Também percebo que ele não se serviu da ajuda que Aristóteles poderia ter-lhe dado nesse terreno, uma vez que este já fizera a mesma objeção contra Platão. GVM II Anexos 27

Todavia, o auxílio que pode nos prestar Aristóteles nesse ponto é que não nos extraviemos numa apoteose da natureza, da naturalidade e do direito natural. GVM II Anexos 27

O auxílio de Aristóteles seria, ao contrário, conquistar uma relação adequada com os temas da tradição histórica e uma melhor capacidade de conceber o real, aquilo que é. GVM II Anexos 27

Ademais, julgo que o problema levantado por Aristóteles ainda não está resolvido. GVM II Anexos 27

No conceito de ethos (formado sob a força conformadora dos nomoi, isto é, das instituições sociais e da educação que se dá nessas instituições), Aristóteles resumiu as condições que facilitam o autêntico saber para a vita practica. GVM II Anexos 28

É a inteligência prática ou sabedoria, que Aristóteles chamou de phronesis. GVM II Anexos 29

Aquilo que se apresenta sob o grande pano de fundo da tradição da filosofia prática (e política), que vai desde Aristóteles até as soleiras do século XIX, do ponto de vista filosófico é a autonomia da contribuição cognitiva que consiste na relação com a práxis. GVM II Anexos 29

Sabe-se que, baseado nesse fundamento, Aristóteles chegou a declarar vazia a ideia platônica do bem. GVM II Anexos 29

E mesmo que esse fosse um engenheiro social ideal, por que razões sua razão prática deveria ser melhor que a das outras pessoas? Nesse sentido, parece-me desleal usar de uma superioridade irônica para acusar as ciências hermenêuticas de estarem renovando e restaurando a imagem qualitativa de mundo de Aristóteles. GVM II Anexos 29

Permitam-me, porém, recordar que o saber prévio que se desenvolve em nós em virtude de nossa orientação no mundo operada na linguagem (o que constituía factualmente a base da assim chamada “ciência” de Aristóteles) entra em jogo toda vez que se elabora a experiência de vida, toda vez que se compreende a tradição feita pela linguagem e toda vez que está em curso a vida social. GVM II Anexos 29

Em momentos muito especiais e sob condições muito específicas, que não podem ser encontradas em um Platão ou em um Aristóteles, em um Mestre Eckhart ou Nicolau de Cusa, nem em um Fichte ou um Hegel, mas talvez em Tomás de Aquino, em Hume e em Kant, essa carência de linguagem permanece oculta sob uma sistemática conceitual equilibrada e só volta a manifestar-se, e nesse caso de maneira necessária, quando o pensar acompanha o movimento do pensamento. GVM II Anexos 29

O próprio Aristóteles não considerava a retórica como uma techne mas como uma dinamis, tal a sua participação na determinação geral do homem como um ser racional. GVM II Anexos 29

Todavia, a partir dessa determinação do “justo” — junto com Aristóteles e com uma tradição que chega até nossos dias — podemos deduzir uma imagem da vida justa. GVM II Anexos 29

Nisso precisamos concordar com Aristóteles que essa imagem diretriz, enquanto se apresenta assim pré-formada socialmente, continua a determinar-se sempre que tomamos alguma decisão “crítica”. GVM II Anexos 29

É a mesma ideia que motivou Aristóteles a atribuir uma primazia especial também ao ouvido — apesar da primazia natural atribuída à visão, entre todos os sentidos — , porque o ouvir recebe e acolhe a linguagem e, com isso, recebe e acolhe tudo, não somente o visível. GVM II Anexos 29

O próprio Aristóteles, que derivou a arte, como mimesis, a partir da alegria do conhecimento, caracteriza a diferença entre o poeta e o historiador pelo fato de que aquele não apresenta as coisas como aconteceram, mas como poderiam acontecer. GVM II Anexos 29

A formulação conceitual de Aristóteles aponta, antes, para a dimensão do possível — e com isso também a da crítica à realidade (podemos sentir um forte sabor dessa crítica na comédia antiga). GVM II Anexos 29

Apesar de tantas teorias classistas da imitação terem se apoiado em Aristóteles, a legitimidade hermenêutica desses conceitos parece-me incontestável. GVM II Anexos 29

Frente à inanidade do filosofar acadêmico, que se movia numa linguagem kantiana ou hegeliana degradada e pretendia completar ou superar sempre de novo o idealismo transcendental, Platão e Aristóteles apareciam de imediato como aliados de todo aquele que tinha perdido a fé nos jogos de sistemas da filosofia acadêmica, inclusive nesse sistema aberto de problemas, categorias e valores que orientava a investigação fenomenológica das essências ou a análise categorial baseada na história dos problemas. GVM II Anexos 30

O segundo ponto essencial desse ensinamento foi que (em alguns encontros privados) Heidegger me fez ver no texto de Aristóteles a insustentabilidade de seu suposto “realismo” e sua permanência no terreno do logos, preparado por Platão no seu seguimento a Sócrates. GVM II Anexos 30

Anos mais tarde, por ocasião de um pronunciamento que fiz num seminário, Heidegger me mostrou que esse novo solo do filosofar dialético comum a Platão e Aristóteles não só sustenta a doutrina aristotélica das categorias como também pode explicar seus conceitos de dynamis e de energeia (o que acabou sendo demonstrado posteriormente por Walter Brõker em sua obra sobre Aristóteles). GVM II Anexos 30

Pouco a pouco cheguei à convicção de que aquele Aristóteles tão próximo, cuja precisão conceitual estava insuspeitavelmente unida à intuição, à experiência e ao contato com a realidade, simplesmente não fora o pioneiro a expressar o novo pensamento. GVM II Anexos 30

Heidegger seguiu, antes, o princípio do Sofista platônico de fortalecer o adversário, e parecia ser quase um Aristóteles redivivas que o atraía globalmente com toda a força da intuição e a audácia de seus conceitos originais. GVM II Anexos 30

Foram Platão e Aristóteles, e não Demócrito, os que presidiram a história da ciência na Antiguidade tardia, e de modo algum foi uma história de decadência científica. GVM II Anexos 30

Meu primeiro livro sobre ele, Platos dialektische Ethik (Ética dialética platônica), que surgiu a partir de meu trabalho de habilitação, foi na verdade um livro abortado sobre Aristóteles. GVM II Anexos 30

Nos dois anos que trabalhei em Frankfurt procurei adaptar-me à situação precária dos estudantes, não só através do ensino intensivo mas também com algumas publicações, como a metafísica XII de Aristóteles (em grego e em alemão) e o Grundriss einer Geschichte der Philosophie (Esboço de uma história da filosofia) de Dilthey, ambas publicadas imediatamente pela Editora Klostermann. GVM II Anexos 30

Este pensamento de Kuhn coincidia na verdade com as ideias sugeridas sobretudo por Heidegger em Die Zeit des Weltbildes (A época da imagem de mundo) e em sua interpretação da física de Aristóteles. GVM II Anexos 30

Aristóteles estabeleceu a distinção estrutural subjacente aqui, diferenciando entre techne e phronesis. GVM II Anexos 30

A “filosofia prática” elaborada por Aristóteles pode servir-nos de modelo. GVM II Anexos 30

Aristóteles mostra que a razão prática e o conhecimento prático não podem ser ensinados como a ciência. GVM II Anexos 30

A peculiaridade metodológica da filosofia prática não passa da consequência natural extraída da “racionalidade prática” elaborada por Aristóteles em sua especificidade conceitual. GVM II Anexos 30

Na questão da reflexão, a distinção de Brentano, inspirada em Aristóteles, entre interioridade reflexiva e reflexão objetivante, me parece superior ao legado do idealismo alemão. GVM II Anexos 30

Se o caráter antecipador da conceptualidade grega, desde Aristóteles até Hegel e a lógica moderna, se nos apresenta, a nós, instruídos por Nietzsche e Heidegger, como limite além do qual encontram-se nossas próprias perguntas sem reposta e nossas intenções sem serem satisfeitas, então o certo é que a arte do diálogo platônico se antecipou a essa aparente superioridade que cremos possuir como herdeiros da tradição judeu-cristã. GVM II Anexos 30

A história da metafísica poderia ser escrita também como uma história do platonismo. Suas etapas seriam Plotino e Agostinho, Mestre Eckhart e Nicolau de Cusa, Leibniz, Kant e Hegel; e, por fim, todos aqueles esforços intelectuais do Ocidente que perguntam pelo ser substancial da ideia e em geral pela teoria da substância da tradição metafísica. Mas o primeiro platônico dessa série não seria outro que o próprio Aristóteles. O objetivo de meus estudos nesse campo seria fazer crer nessa tese tanto frente à instância da crítica aristotélica à doutrina das ideias como frente à metafísica da substância na tradição ocidental. E eu não estaria sozinho. Houve Hegel.

Heidegger amparou-se precisamente no exemplo de Platão e de Aristóteles para justificar a novidade de sua criação de linguagem, e seus seguidores têm sido muito mais numerosos do que se poderia esperar diante das primeiras reações de assombro e escândalo. GVM II Anexos 30

 

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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