Mesmo pesquisadores interessados na história das palavras, muitas vezes não prestam suficientemente atenção ao fato de que a contradição artística entre alegoria e símbolo, que nos parece auto-evidente, é apenas o resultado do desenvolvimento filosófico dos últimos dois séculos e de cujo início se deve esperar tão pouco que, antes, tem-se de fazer a pergunta pelo modo como, afinal, se chegou à necessidade de uma tal diferenciação e antagonismo. GVM I 1
Deveria ficar reservado para uma pesquisa mais pormenorizada, examinar até que ponto o uso das palavras símbolo e alegoria na antiguidade já abriu caminho ao posterior antagonismo, com o qual estamos familiarizados. GVM I 1
A alegoria pertence originariamente à esfera do discurso, do logos, sendo pois uma figura retórica ou hermenêutica. GVM I 1
Embora ambos os conceitos, símbolo e alegoria, pertençam a esferas diferentes, estão um próximo do outro, não somente através de sua estrutura comum da representação de algo através de um outro, mas também pelo fato de que ambos encontram sua aplicação preferencial no âmbito religioso. GVM I 1
A alegoria surge da necessidade teológica de eliminar o escândalo na tradição religiosa — como se fez originariamente em Homero, e, ademais, reconhecer por trás disso verdades válidas. GVM I 1
Uma função correspondente ganha a alegoria no uso retórico, ou seja, por onde quer que a circunlocução e o enunciado indireto possam parecer mais convenientes. GVM I 1
Nas proximidades desse conceito da alegoria, retórico-hermenêutico, começa a surgir também o conceito de símbolo (que, ao que parece, foi documentado pela primeira vez por Chrysipp, mas com o significado de alegoria), principalmente através da transformação cristã do neoplatonismo. GVM I 1
No conceito do símbolo ressoa, porém, um pano de fundo metafísico, que se afasta totalmente do uso retórico da alegoria. GVM I 1
Mesmo assim, o conceito da alegoria passou, de sua parte, por uma ampliação significativa, na medida em que a alegoria não designa apenas uma figura do discurso, e o sentido da interpretação (sensus allegoricus), mas também, representações imagéticas correspondentes, de conceitos abstratos na arte. GVM I 1
A relação retórica do conceito alegoria permanece atuante nesse desenvolvimento do significado na medida em que, como alegoria, não pressupõe, na verdade, um parentesco original metafísico, como o exige o símbolo, mas antes, apenas como uma agregação proporcionada por uma convenção dogmática, o que permite aplicar representações imagéticas para coisas destituídas de imagens. GVM I 1
Mais ou menos deste modo podem ser resumidas as tendências de significado linguístico que, nos primórdios do século XVIII, fazem que o símbolo e o simbólico se oponham como interna e essencialmente significativos às significações externas e artificiais da alegoria. GVM I 1
Símbolo é a coincidência do sensível e do não-sensível; alegoria é uma referência significativa do sensível ao não-sensível. GVM I 1
O símbolo aparece como aquilo que, devido à sua indeterminação, pode ser interpretado inesgotavelmente, em oposição excludente ao que se encontra numa referência de significado mais precisa, e ao que se esgota nela, sendo isso próprio da alegoria; como a contradição de arte e não-arte. GVM I 1
Mas aqui surge a indagação: como é que o conceito do símbolo, assim entendido, nessa forma a nós familiar, se tornou um contra-conceito da alegoria. GVM I 1
Sobre isso, e assim de início, nada se encontra em Schiller, mesmo que ele compartilhe da crítica da alegoria fria e artificial, que fizeram Klopstock, Lessing, o jovem Goethe, Karl-Philipp Moritz e outros, que outrora se voltaram contra Winckelmann. GVM I 1
Da mesma maneira, Meyer, o amigo artista de Goethe, segue esta aplicação estética do conceito do símbolo, para delimitar a verdadeira arte contra a alegoria. GVM I 1
Para o próprio Goethe, porém, a oposição artístico-teorética entre símbolo e alegoria permanece apenas um fenômeno particular da direção geral rumo ao significativo, que ele procura em todos os fenômenos. GVM I 1
Karl-Philipp Moritz, a quem Schelling se reporta, já tinha, é verdade, rejeitado, na sua Doutrina dos deuses, a “dissolução numa mera alegoria” do que dissesse respeito às poesias mitológicas, mas ainda não empregava a expressão símbolo para essa linguagem da fantasia”. GVM I 1
Quando Schelling (na crítica à concepção que Heyne tinha de Homero) estabelece dessa forma a verdadeira relação entre a mitologia e a alegoria, está ele preparando ao conceito do símbolo, ao mesmo tempo, uma posição central no âmbito da filosofia da arte. GVM I 1
Seja como for, Souger mantém a expressão do alegórico num sentido ainda bastante elevado no conjunto da arte cristã e Friedrich Schlegel vai ainda mais adiante dizendo: Toda beleza é alegoria (diálogo sobre a poesia). Também o uso simbólico que Hegel faz do conceito (tal como Creuzer) mantém-se ainda bastante próximo desse conceito do alegórico. Mas esse uso linguístico dos filósofos, que se encontra na base das ideias românticas sobre a relação do indizível para com a linguagem e do descobrimento da poesia alegórica do Oriente, já não pôde mais ser mantido pela formação humanística do século XIX. Havia quem se reportasse ao classicismo de Weimar, e, de fato, a desvalorização da alegoria tornou-se a preocupação dominante do classicismo alemão, que se entregou muito necessariamente à libertação da arte dos grilhões do racionalismo e à caracterização do conceito do gênio. A alegoria não é, certamente, apenas questão do gênio. Repousa sobre sólidas tradições e sempre teve um significado determinado e declarado, que não se opõe, de forma alguma, à compreensão intelectiva através do conceito. Ao contrário, o conceito e a questão da alegoria estão solidamente vinculados com o dogmatismo: com a racionalização do místico (tal qual no Aufklärung grego) ou com a interpretação cristã da Bíblia Sagrada, no sentido da unidade de uma doutrina (tal qual na Patrística) e, finalmente, com a reconciliação da tradição cristã com a formação da antiguidade, que forma a base da arte e da poesia dos povos mais recentes e cuja derradeira forma do mundo foi o Barroco. Com a ruptura dessa tradição, rompeu-se também com a alegoria. Isso porque no momento em que a essência da arte libertou-se de toda vinculação dogmática, podendo ser definida através da produção inconsciente do gênio, a alegoria teria de, esteticamente, tornar-se questionável. GVM I 1
É a completa concordância do fenômeno com a ideia, que — de acordo com Schelling — é pensada no conceito de símbolo, enquanto a não-concordância é reservada à alegoria ou à consciência mítica. GVM I 1
Desse panorama sobre a história da palavra, do símbolo e da alegoria tiramos uma consequência objetiva. GVM I 1
A sólida situação prévia (Vorfindlichkeit) da contraposição do conceito: o símbolo que cresce “organicamente” — a alegoria fria e adequada à compreensão perde seu caráter obrigatório, quando se reconhece sua vinculação com a estética do gênio e com a estética da vivência. GVM I 1
Se já a redescoberta da arte do Barroco (um fato certamente constatável no mercado de antiguidades) e especialmente nas últimas décadas, a redescoberta da poesia barroca, bem como a mais recente pesquisa artístico-científica levaram a uma salvação honrosa da alegoria; assim, indicar-se-á agora também o fundamento teorético desse fato. GVM I 1
Mas será que essa é uma base sustentável? Será que, na verdade, essa atividade simbólica não está sendo limitada ainda hoje pela sobrevivência de uma tradição mítico-alegórica? Quando se reconhece isso, o antagonismo de símbolo e alegoria tem de se relativizar de novo, embora, sob o preconceito da estética experimental, parecesse absoluto. GVM I 1
Será que, em face da obra de arte, o comportamento estético é uma atitude adequada? Ou será que o que denominamos “consciência estética” é uma abstração? A nova avaliação da alegoria, de que falamos, indica que, na verdade, também na consciência estética há um momento dogmático que firma sua validade. GVM I 1
Melanchton diz que: “Aqui não se transmitem meras alegorias, mas a história mesma aparece referida aos loci communes da fé e das obras, e só então esses loci dão nascimento às alegorias. GVM II Outros 20