Gadamer (VM): Adorno

Mas a interpretação não se limita aos textos e à compreensão histórica que neles se deve alcançar. Todas as estruturas de sentido concebidas como textos, desde a natureza (interpretatio naturae, (435) Bacon), passando pela arte (cuja carência de conceitos (Kant) converte-se em exemplo preferencial de interpretação (Dilthey)), até as motivações conscientes ou inconscientes da ação humana, são suscetíveis de interpretação. Essa pretende mostrar não o que é óbvio mas as verdadeiras e latentes concreções de sentido da ação humana, mesmo que o faça revelando o ser real de cada um como o ser de sua própria história (P. Ricoeur), mostrando assim que os condicionamentos sociais e históricos determinam imperceptivelmente nosso pensamento. A psicanálise e a crítica da ideologia, como inimigos a se enfrentar ou aliados em uma síntese cética ou utópica (ADORNO, Marcuse), devem submeter-se ainda a uma reflexão hermenêutica. Isso porque o que eles assim descobrem e compreendem não é independente da situação do intérprete. Nenhum campo interpretativo se dá aleatoriamente e muito menos “objetivamente”. A reflexão hermenêutica mostra ao objetivismo do historicismo e da teoria positivista das ciências que eles agem a partir de pressupostos ocultos determinantes. Sobretudo a sociologia do saber e a crítica marxista da ideologia demonstraram aqui sua fecundidade hermenêutica. O valor cognitivo dessas interpretações só pode ser garantido mediante uma consciência crítica e uma reflexão da história dos efeitos. O fato de não possuírem a objetividade da science não desmerece seu valor cognitivo. Mas é só uma reflexão hermenêutica crítica, atuante nelas consciente ou inconscientemente, que faz aflorar sua verdade. VERDADE E METODO II ANEXOS 28.

Assim, a constatação de que o diálogo filosófico com a filosofia das ciências não pode realizar-se plenamente parece fundamentada na natureza das coisas. Um bom exemplo para isso é o debate entre ADORNO e Popper, assim como o de Habermas com Albertz. Além (453) disso, o empirismo da teoria da ciência, ao instituir a “racionalidade crítica” como paradigma absoluto da verdade, deve considerar a reflexão hermenêutica como um obscurantismo teológico. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.

Felizmente pode haver um acordo objetivo tanto no fato de que há somente uma única “lógica da investigação” quanto no de que esta não é tudo. Isso porque os pontos de vista seletivos que caracterizam os questionamentos relevantes, instituindo-os em tema de investigação, não podem ser conquistados através da lógica da investigação. Mas o que chama a atenção nesse ponto é que, em nome da racionalidade, a teoria da ciência abandona-se a um completo irracionalismo e considera ilegítima a tematização desses pontos de vista da prática do conhecimento, feitos pela reflexão filosófica. Chega ao ponto, inclusive, de acusar a filosofia, que faz essa reflexão, de estar imunizando suas afirmações contra a experimentação. Não parece dar-se conta de que ela mesma acoberta uma imunização muito mais nociva frente à experiência, por exemplo, frente à experiência do senso comum e à experiência de vida. Isso ocorre toda vez que o domínio científico de nexos parciais fomenta uma aplicação desprovida de crítica, por exemplo, quando espera que os especialistas se responsabilizem pelas decisões políticas. Mesmo depois de ter sido analisada por Habermas, a polêmica entre Popper e ADORNO continua sendo insatisfatória. Concordo com Habermas que sempre está em jogo uma pré-compreensão hermenêutica e que por isso precisa de um esclarecimento reflexivo. Mas também aqui, junto com a “racionalidade crítica”, afirmo novamente que um esclarecimento total não passa de pura ilusão. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.

Decerto, Hegel não destacou especificamente a lírica como portadora dessa primazia do caráter de linguagem, pois estava demasiadamente influenciado pelo ideal de naturalidade, representado em sua época por Goethe. Por isso, para ele, o poema lírico não representava mais que a expressão subjetiva da interioridade. Mas a verdade é que a palavra lírica é linguagem em um sentido muito característico. Não é o fato de que a palavra lírica pode ser elevada ao ideal depurado da poésie pure que vai mostrar isso. E verdade que esse fato não permite pensar na forma desenvolvida da dialética — como o faz o drama — , mas no elemento especulativo subjacente a toda dialética. Tanto no movimento de linguagem do pensamento especulativo quanto no movimento de linguagem do poema “puro” realiza-se a mesma autopresença do espírito. Também ADORNO percebeu e chamou a atenção, com razão, para a afinidade entre o enunciado lírico e o enunciado da especulação dialética. Mas quem fez isso foi sobretudo o próprio Malarmé. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.

No mais, a constante atividade docente foi dando frutos. Meu velho amigo Karl Löwith retornou do estrangeiro e lecionava comigo em Heidelberg, criando uma tensão muito sadia entre nós. Durante anos, mantive um fecundo intercâmbio de ideias com Jürgen Habermas, a quem havíamos convidado como jovem professor extraordinário, depois de termos tomado conhecimento de seu embate com Horkheimer e ADORNO. Quem fora capaz de desunir, ainda que apenas parcialmente, a Max e Teddy em sua fraternidade espiritual deveria ter algo a dizer. O manuscrito que apresentou confirmou de fato o talento do jovem investigador que já me havia surpreendido tempos atrás. Mas eu também tive discípulos dedicados apaixonadamente à filosofia, dos quais só quero mencionar aqui alguns que atualmente atuam como professores na especialidade acadêmica de filosofia. De Frankfurt, eu trouxe um bom grupo de estudantes, entre os quais Dieter Henrich, que fora influenciado inicialmente pelo neokantismo marburguense de Ebbinghaus e Klaus Reich. Em Heidelberg agregaram-se muitos outros. Menciono apenas os que trabalham diretamente na pesquisa ou como professores no campo da filosofia: Wolfgang Bartuschat, Rüdiger Bubner, Theo Ebert, Heinz Kimmerle, Wolfgang Künne, Ruprecht Pflaumer, J.H. Trede, Wolfgang Wieland. Mais tarde veio mais um grupo de Frankfurt, entre os quais, Wolfgang Cramer — à margem da famosa Escola de Frankfurt — exerceu uma grande influência; entre eles Konrad Cramer, Friedrich Fulda e Rainer Wiehl. Foram chegando também estrangeiros, integrando o círculo de meus alunos, especialmente da Itália, Valério Verra e G. Vattimo, da Espanha E. Lledó e um notável número de americanos. Voltei a encontrar muitos desses em minhas viagens à América durante os últimos anos, ocupando cargos e postos de responsabilidade. Para mim representa uma satisfação muito grande o fato de alguns dos meus discípulos terem se destacado em outras especialidades, o que deve ser creditado à ideia da hermenêutica. VERDADE E METODO II ANEXOS 30.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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