Gadamer (1993:C1) – o domínio da ciência moderna

Antônio Luz Costa

A experiência científica ocupa aqui uma posição especial. Aquilo que, através do método científico, pode ser considerado como uma experiência segura, é caracterizado pelo fato de ser basicamente independente de qualquer situação da ação e de qualquer integração em um contexto da ação. Ao mesmo tempo, essa “objetividade” significa que ela pode servir a qualquer contexto possível da ação. Foi exatamente isso que, de uma maneira específica, encontrou expressão na ciência contemporânea e remodelou, amplamente, o perfil da terra em um mundo humano artificial. A experiência elaborada nas ciências tem agora não apenas a preferência de ser passível de comprovação e acessível a qualquer um: com base no seu procedimento metodológico, ela também reivindica ser a única experiência segura e ser o saber, através do qual qualquer experiência seja, primeiramente, legitimada. Aquilo que, da maneira descrita, sobre o saber da humanidade é reunido da experiência pratica e da tradição fora da “ciência”, não apenas deve ser submetida a comprovação pela ciência, mas, se for aprovado, ele mesmo pertencerá ao campo de análise da ciência. Em princípio, não há nada que, desse modo, não esteja subordinado à competência da ciência.

O fato de a ciência resultar não apenas da experiência, mas também, conforme seu próprio método, poder ser denominada de ciência empírica — uma expressão aplicada à ciência somente a partir do século XVII encontrou sua expressão fundamental também na filosofia moderna. No século XIX, tornou-se consenso geral de que se havia entrado na era da ciência “positiva” e deixado a metafísica para trás. Isso corresponde não somente ao “positivismo” filosófico em toda a sua variedade, o qual afasta de si a construção conceitual e a simples especulação — vale também para todas aquelas teorias filosóficas que, como a kantiana, refletem formalmente sobre os elementos apriorísticos em toda a experiência. É por isso que a filosofia do neokantismo se formou numa teoria sistemática da experiência. O conceito da coisa em si, este elemento realístico na teoria kantiana, foi rejeitado pelo neokantismo — com Fichte e Hegel — por ser dogmático e reinterpretado como um conceito-limíte do conhecimento. O objeto do conhecimento apresenta a “interminável tarefa” do “determinar” (Natorp). Este seria o único sentido epistemologicamente sustentável de “realidade dada” e “objeto”: a interminável tarefa. Essa teoria tem o mérito decisivo de comprovar à fundamentação sensualista do conhecimento seu dogmatismo secreto. A assim considerada realidade dada na sensação não apresenta nada de “dado”, mas sim coloca ao conhecimento a sua tarefa. O único “fato” que merece este nome é o fato da ciência.

Nesse caso havia, decerto, áreas de validade extrateóricas (como a área da estética), que exigiam seu reconhecimento e, dessa maneira, fizeram com que irrompesse na teoria científica neokantiana a discussão sobre o irracional. Mas isso não alterava em nada a limitação fundamental de todos os saberes empíricos à experiência científica. Nada daquilo que seja considerado experimentável pode ser subtraído da competência da ciência. Se, em algum lugar, encontramos o imprevisível, o acidental, a adversidade em relação à nossa expectativa, mesmo aí se manifesta a pretensão de universalidade da ciência. Aquilo que possui a aparência do irracional é, na verdade, um fenômeno marginal, um fenômeno-limite da ciência que se deixa perceber, especialmente, onde a ciência encontra aplicação na práxis. Aquilo que, na práxis, resulta como consequência inesperada e, normalmente, não desejada da aplicação da ciência é, na verdade, algo bem diferente do que a inevitável irracionalidade do acaso. É, de acordo com a sua natureza, nada mais do que uma outra tarefa para a pesquisa. O progresso da ciência vive de sua constante autocorreção e, da mesma maneira, uma práxis científica, estruturada na aplicação da ciência, exige que ela, através da contínua autocorreção, sempre continue elevando o nível de autenticidade das expectativas que são investidas nela.

Marianne Dautrey

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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