Gaboriau (1962:44-45) – Dasein

A concepção de “Dasein”, ou seja, do homem, da qual a análise parte, é definida em sua generalidade pelo fato de “ser-no-mundo”. E o “mundo” deve ser entendido, como em Husserl, no sentido do horizonte de significação — um horizonte que o “Dasein” já projetou para além do “ser”, porque esse projeto prévio é, em sua transcendência, a característica fundamental do “Dasein” como tal.

Assim, encontramos em Heidegger o esquema husserliano de sensibilidade, o ato noético e o noeme, basicamente reproduzindo um esquema antropológico já conhecido. Qualquer que seja essa estrutura, sua unidade é definida por um esquema idealista de reflexão, no qual também encontramos a antiga imagem cristã do homem, chamado a se tornar ele mesmo. Isso fica claro na definição de “Dasein” como um “ser para o qual é uma questão em seu (ato de) ser, de seu (ato de) ser”. Sua “essência” está, portanto, propriamente em sua concepção de existência, ou seja, em sua “existencialidade”. Daí a exigência existencial, pode-se dizer “moral”, de ter que se recuperar do mundo onde se corre o risco de se perder ao se dissolver entre as coisas, como ao nível “impessoal” (das Man), no “todos juntos” (Miteinandersein). Na linguagem de Heidegger, “co-ser” significa que cada pessoa é o outro da outra, que cada pessoa oferece à outra a possibilidade de seu ser-outro, ou seja, de sua singularidade, mas também o risco de sua alienação. Chegar e alcançar o si torna-se possível, por um lado, graças à consciência “secularizada” que é “o chamado do Dasein a si mesmo”; por outro lado, na experiência da contingência do mundo e de seu coeficiente-nada, tal qual aparece imediatamente através de certos sentimentos negativos, especialmente na angústia. O “Dasein” do homem é basicamente um “ser-contido-no-nada”, que, para garantir sua própria possibilidade de realização, abandona o véu do ser (den Schleier des Seins abgibt), — e assim manifesta, ao mesmo tempo que sua existência, sua inexistência.

Consequência lógica: todo ente que não esteja em conformidade com o Dasein, em outras palavras, qualquer ente que não seja o homem, só tem significado nesse todo existencial, onde é visto do ângulo do “instrumento” sobre o qual portar a mão, — do instrumento à mão, em referência, portanto, ao que é propriamente “existência”, o “Dasein” (45) humano. Em suma, e essa é uma visão já familiar ao idealismo, o “Dasein” medeia e se comunica consigo mesmo, acima e por meio dos entes deste mundo. Assim, “ser-flor” significa, grosso modo, “ser-alimento”; e “ser-animal” equivale a fornecer carne, gêneros alimentícios ou têxteis: a natureza descobre a si mesma, no que é primário e próprio, em seus produtos naturais a serem tratados (Vorhandenheit).

Mas, por outro lado, o “Dasein” do artesão, na concepção “existencial” que extrai de tudo, olha para além de si mesmo. Ele nos convida a olhar mais alto do que as próprias possibilidades que formam o respectivo projeto vital. O “Dasein” está, de fato, sempre à frente de suas próprias possibilidades; seu projeto carrega e leva a si mesmo a esse extremo, que é a possibilidade irrecuperável da morte. É compreensível que, a partir dessa perspectiva, a questão da imortalidade não surja mais. Sempre além de si mesmo, no sentido de seu advir, o “Dasein” é, portanto, essencialmente uma essência temporal do futuro: daí o título “Sein und Zeit”. A partir dessa “futuridade” extrema, que é ao mesmo tempo sua “historicidade”, o Dasein então retorna a si mesmo, à sua respectiva situação, e dá à realidade momentânea de um encontro o sentido que faz no complexo (ou, melhor dizendo, nos laços de parentesco) da existencialidade. A verdade deve, portanto, ser entendida como uma “a-letheia”, no sentido grego do termo, como tirar as coisas do velamento e forçá-las a entrar em seus respectivos sentidos.