GA9:352-354 – Ethik – éthique – ética – ethics

Carneiro Leão

Se, porém, a humanitas está tão Essencialmente no campo de visão do pensamento do Ser, não terá então a “ontologia” de ser completada pela “ética”? Não será, então, inteiramente Essencial o esforço que o Senhor exprime na frase: “Ce que je cherche à faire, depois longtemps déjà, c’est préciser le rapport de l’ontologie avec une éthique possible”?

Logo após a publicação de Ser e Tempo, perguntou-me um jovem amigo: “Quando é que o Senhor vai escrever uma ética?”. É que, quando se pensa a Essência do homem de modo tão Essencial — a saber, unicamente a partir da questão sobre a Verdade do Ser —, sem se fazer dele, no entanto, o centro do ente, sente-se também a necessidade de se indicarem preceitos e regras, que digam, como o homem, experimentado a partir da ec-sistência para o Ser, há de viver Historicamente. A exigência de uma ética tanto mais se impõe quanto mais cresce desmedidamente a desorientação (Ratlosigkeit) do homem tanto a oculta como a manifesta. Uma vez que só se pode confiar numa estabilidade do homem da técnica, entregue à massificação (Massenwesen), planejando e organizando em conjunto seus planos e suas atividades, por isso se devem dedicar todos os cuidados e esforços à obrigatoriedade ética.

Quem teria o direito de desconhecer a indigência dessa situação (Notlage) ? Não deveríamos, então, manter (schonen) e garantir as obrigações vigentes, mesmo que elas só conservem reunida em si a essencialização do homem de modo precário e apenas limitado às condições atuais? Sem dúvida! Mas, por outro lado, será que essa indigência dispensa o pensamento de pensar (gedenkt) o que constitui, antes de mais nada (zumal), o que deve ser pensado e, como o Ser, permanece sendo, antes de todo e qualquer ente, o Penhor e a Verdade? Será que o pensamento pode continuar esquivando-se a pensar o Ser, que, depois de se haver retido, encoberto num longo esquecimento, se anuncia agora, no momento atual do mundo, pela comoção geral de todos os entes?

Antes de se tentar determinar, com maior exatidão, as relações entre “a ontologia” e “a ética”, faz-se necessário pensar, se o que ambos os títulos evocam, ainda permanece na medida e na proximidade do que se impôs ao pensamento, que, como pensamento, tem de pensar, antes de tudo, a Verdade do Ser! Pois, se, juntamente com todo pensamento segundo disciplinas, “a ontologia” e “a ética” já tivessem caducado e, com isso, nosso pensamento já se houvesse tornado mais disciplinado, o que então, sucederia à questão sobre as relações entre essas duas disciplinas da filosofia?

Com a “lógica” e a “física”, a “ética” aparece, pela primeira vez, na Escola de Platão. Surgiram no tempo, em que o pensamento se tornou “filosofia”, a filosofia se fêz episteme (ciência) e a própria ciência se transformou numa tarefa (Sache) de Escolas e de atividades “escolásticas” (Schulbetrieb). Através da filosofia, assim entendida, nasceu a ciência e pereceu o pensamento. Antes desse tempo, os pensadores não conheciam nem “lógica” nem ética” nem “física”. Todavia, seu pensamento não era nem ilógico nem imoral. E a physis, eles a pensaram numa profundidade e envergadura que toda “física” posterior nunca mais conseguiu atingir. Caso seja permitida semelhante comparação, o dizer das tragédias de Sófocles con-serva e encerra o ethos mais originariamente do que as preleções de Aristóteles sobre a “ética”. Uma sentença de Heráclito, que se compõe de três palavras apenas, evoca um vigor tão simples que faz resplandecer diretamente a Essência do Ethos.

Diz a sentença de Heráclito (Fragmento 119) ethos anthropo daimon. Geralmente se costuma traduzir: —a individualidade é o demônio do homem”. Essa tradução pensa de maneira moderna, não de maneira grega. Pois ethos significa estada (Aufenthalt), lugar de morada. Evoca o espaço aberto onde mora o homem. É a abertura da estada que faz aparecer o que ad-vém, convenientemente, à Essência do homem e, assim ad-vindo, se mantém em sua proximidade. A estada do homem retém o ad-vento daquilo, ao qual o homem, em sua Essência, pertence. Isso é o Heráclito chama de daimon, o Deus. A sentença diz pois: o homem mora, enquanto homem, na proximidade do Deus. (p. 83-85)

Giachini & Stein

Cortés & Leyte

Beaufret

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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