GA9:104-105 – O homem “faz ciência”

Ernildo Stein

Contudo, em todas as ciências nós nos relacionamos, dóceis a seus (51) propósitos mais autênticos com o próprio ente. Justamente, sob o ponto de vista das ciências, nenhum domínio possui hegemonia sobre o outro, nem a natureza sobre a história, nem esta sobre aquela. Nenhum modo de tratamento dos objetos supera os outros. Conhecimentos matemáticos não são mais rigorosos que os filológico-históricos. A matemática possui apenas o caráter de “exatidão” e este não coincide com o rigor. Exigir da história exatidão seria chocar-se contra a ideia do rigor específico das ciências do espírito. A referência ao mundo, que importa através de todas as ciências enquanto tais, faz com que elas procurem o próprio ente para, conforme seu conteúdo essencial e seu modo de ser, transforma-lo em objeto de investigação e determinação fundante. Nas ciências se realiza — no plano das ideias — uma aproximação daquilo que é essencial em todas as coisas.

Esta privilegiada referência de mundo ao próprio ente é sustentada e conduzida por um comportamento da existência humana livremente escolhido. Também a atividade pré e extra-científica do homem possui um determinado comportamento para com o ente. A ciência, porém, se caracteriza pelo fato de dar, de um modo que lhe é próprio, expressa e unicamente, à própria coisa a primeira e última palavra. Em tão objetiva maneira de perguntar, determinar e fundar o ente, se realiza uma submissão peculiarmente limitada ao próprio ente, para que este realmente se manifeste. Este pôr-se a serviço da pesquisa e do ensino se constitui em fundamento da possibilidade de um comando próprio, ainda que delimitado, na totalidade da existência humana. A particular referência ao mundo que caracteriza a ciência e o comportamento do homem que a rege, os entendemos, evidentemente apenas então plenamente, quando vemos e compreendemos o que acontece na referência ao mundo, assim sustentada. O homem — um ente entre outros — “faz ciência”. Neste “fazer” ocorre nada menos que a irrupção de um ente, chamado homem, na totalidade do ente, mas de tal maneira que, na e através desta irrupção, se descobre o ente naquilo que é em seu modo de ser. Esta irrupção reveladora é o que, em primeiro lugar, colabora, a seu modo, para que o ente chegue a si mesmo.

Estas três dimensões — referência ao mundo, comportamento, irrupção — trazem, em sua radical unidade, uma clara simplicidade e severidade do ser-aí, na existência científica. Se quisermos apoderar-nos expressamente da existência científica, assim esclarecida, então devemos dizer: Aquilo para onde se dirige a referência ao mundo é o próprio ente — e nada mais. Aquilo de onde todo o comportamento recebe sua orientação é o próprio ente — e além dele nada. Aquilo com que a discussão investigadora acontece na irrupção é o próprio ente — e além dele nada.

Mas o estranho é que precisamente, no modo como o cientista se assegura o que lhe é mais próprio, ele fala de outra coisa. Pesquisado (52) deve ser apenas o ente e mais — nada; somente o ente e além dele — nada; unicamente o ente e além disso — nada.

Roger Munier

Original

  1. Auflage 1929: Man hat diesen Zusatz hinter dem Gedankenstrich als willkürlich und künstlich ausgegeben und weiß nicht, daß Taine, der als Vertreter und Zeichen eines ganzen, noch herrschenden Zeitalters genommen werden kann, wissentlich diese Formel zur Kennzeichnung seiner Grundstellung und Absicht gebraucht.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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