GA9:303-312 – essência do homem

Na medida em que, constantemente, apenas representa o ente enquanto ente, a metafísica não pensa no próprio ser. A filosofia não se recolhe em seu fundamento. Ela o abandona continuamente e o faz pela metafísica. Dele, porém, jamais consegue fugir. Na medida em que um pensamento se põe em marcha para experimentar o fundamento da metafísica, na medida em que um pensamento procura pensar na própria verdade do ser, em vez de apenas representar o ente enquanto ente, ele abandonou, de certa maneira, a metafísica. Visto da parte da metafísica, o pensamento se dirige de volta para o fundamento da metafísica. Mas, aquilo que assim aparece como fundamento, se experimentado a partir de si mesmo, é provavelmente outra coisa até agora não dita, segundo a qual a essência da metafísica é bem outra coisa que a metafísica. Um pensamento que pensa na verdade do ser não se contenta certamente mais com a metafísica; um tal pensamento também não pensa contra a metafísica. Para voltarmos à imagem anterior, ele não arranca a raiz da filosofia. Ele lhe cava o chão e lhe lavra o solo. A metafísica permanece a primeira instância da filosofia. Não alcança, porém, a primeira instância do pensamento. No pensamento da verdade do ser a metafísica está superada. Torna-se caduca a pretensão da metafísica de controlar a referência decisiva com o ser e de determinar adequadamente toda a relação com o ente enquanto tal. Esta “superação da metafísica”, contudo, não rejeita a metafísica. Enquanto o homem permanecer animal rationale é ele animal metaphysicum. Enquanto o homem se compreender como animal racional, pertence a metafísica, na palavra de Kant, à natureza do homem. Se bem sucedido, talvez fosse possível ao pensamento retornar ao fundamento da metafísica, provocando uma mudança da ESSÊNCIA DO HOMEM de cuja metamorfose poderia resultar uma transformação da metafísica. (MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)

Com o advento ou a ausência da verdade do ser, está em jogo outra coisa: não a constituição da filosofia, não apenas a própria filosofia, mas a proximidade ou distância daquilo de que a filosofia, com o pensamento que representa o ente enquanto tal, recebe sua essência e sua necessidade. O que se deve decidir é se o próprio ser pode realizar, a partir da verdade que lhe é própria, sua relação com a ESSÊNCIA DO HOMEM ou se a metafísica, desviando-se de seu fundamento, impedirá, no futuro, que a relação do ser com o homem chegue, através da essência desta mesma relação, a uma claridade que leve o homem à pertença ao ser. (MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)

Mas quem pensa ainda no que foi pensado? Inventam-se coisas. O pensamento tentado em Ser e Tempo está “a caminho” para situar o pensamento num caminho em cuja marcha possa alcançar o interior da relação da verdade do ser com a ESSÊNCIA DO HOMEM; está em marcha para abrir ao pensamento uma senda na qual medite consentaneamente o ser mesmo em sua verdade. Neste caminho, e isto quer dizer, a serviço da questão da verdade do ser, torna-se necessária uma reflexão sobre a ESSÊNCIA DO HOMEM; pois a experiência do esquecimento do ser, ainda não expressa porque exigindo demonstração, encena em si a conjectura da qual tudo depende, de que, conforme o desvelamento do ser, a relação do ser com o homem pertence ao próprio ser. Mas como poderia esta conjectura aventada tornar-se mesmo apenas uma pergunta expressa sem que antes se empenhassem todos os esforços para libertar a determinação fundamental do homem da subjetividade e da definição do animal rationale…? (MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)

Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra a revelação do ser com a ESSÊNCIA DO HOMEM, como também a referência fundamental do homem à abertura (“aí”) do ser enquanto tal, foi escolhido para o âmbito essencial, em que se situa o homem enquanto homem, o nome “ser-aí”. Isto foi feito, apesar de a metafísica usar este nome para aquilo que em geral é designado existentia, atualidade, realidade e objetividade, não obstante até se falar, na linguagem comum, em “ser-aí humano”, repetindo o significado metafísico da palavra. Por isso obvia toda possibilidade de se pensar o que nós entendemos quem se contenta apenas em averiguar que em Ser e Tempo usa-se, em vez de “consciência”, a palavra “ser-aí”. Como se aqui estivesse apenas em jogo o uso de palavras diferentes, como se não se tratasse desta coisa única: da relação do ser com a ESSÊNCIA DO HOMEM e com isto, visto a partir de nós, como se não se tratasse de levar o pensamento (81) primeiramente diante da experiência essencial do homem, suficiente para a interrogação decisiva. Nem a palavra “ser-aí” tomou o lugar da palavra “consciência”, nem a “coisa” chamada “ser-aí” passou a ocupar o lugar daquilo que é representado sob o nome “consciência”. Muito antes, com o “ser-aí” é designado aquilo que, pela primeira vez aqui, foi experimentado como âmbito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve ser adequadamente pensado. (MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)

 

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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