GA9:303-312 – acontecimento

Ereignis / Wesen

A “angústia” em face da angústia, pelo contrário, pode enganar-se de tal modo que desconheça as simples referências na esfera essencial da angústia. Que seria toda coragem se não tivesse, na experiência da angústia fundamental, seu constante elemento de confronto? Na medida em que diminuímos a angústia fundamental e a referência do ser ao homem, nela iluminada, aviltamos a essência da coragem. Mas esta é capaz de suportar o nada. A coragem reconhece, no abismo do espanto, o espaço do ser apenas entrevisto, a partir de cuja iluminação cada ente primeiramente retorna àquilo que é e é capaz de ser. A preleção nem se compraz numa “filosofia da angústia” nem procura insinuar a impressão de uma “filosofia heróica”. Ela pensa apenas aquilo que apareceu ao pensamento ocidental, desde o começo, como aquilo que deve ser pensado e permaneceu, entretanto, esquecido: o ser. Mas o ser não é produto do pensamento. Pelo contrário, o pensamento essencial é um acontecimento provocado pelo ser (Ereignis des Seins). MHeidegger: Posfácio OQM (GA9)

O pensamento originário é o eco do favor do ser pelo qual se ilumina e pode ser apropriado o único acontecimento: que o ente é. Este eco é a resposta humana à palavra da voz silenciosa do ser. A resposta do pensamento é a origem da palavra humana; palavra que primeiramente faz surgir a linguagem como manifestação da palavra nas palavras. MHeidegger: Posfácio OQM (GA9)

Se, de tempos em tempos, não houvesse um pensamento oculto no fundamento essencial do homem historial, então ele jamais seria capaz do reconhecimento, suposto que, em toda reflexão e em todo agradecimento, deve existir um pensamento que pensa originariamente a verdade do ser. Mas de que outro modo encontraria, um dia, uma humanidade o caminho para o reconhecimento originário que não pelo fato de o favor do ser oferecer ao homem, pela aberta referência a si mesma, a nobreza do despojamento, no qual a liberdade do sacrifício esconde o tesouro de sua essência? O sacrifício é a despedida do ente em marcha para a defesa do favor do ser. O sacrifício pode, sem dúvida, ser preparado e servido pelo agir e produzir na esfera do ente, mas jamais pode ser por ele realizado. Sua realização emana da in-sistência a partir da qual todo homem historial age — também o pensamento essencial é um agir — protegendo o ser-aí instaurado para a defesa da dignidade do ser. Esta in-sistência é a impassibilidade que não permite que seja contestada a oculta disposição para a despedida própria de cada sacrifício. O sacrifício tem sua terra natal na essência daquele acontecimento que é o ser chamando o homem para a verdade do ser. É por isso que o sacrifício não admite cálculo algum pelo qual seria calculada sua utilidade, sejam os fins visados mesquinhos ou elevados. Tal cálculo desfigura a essência do sacrifício. A mania dos fins confunde a limpeza do respeito humilde (preparado para a angústia) da coragem para o sacrifício, que presume morar na vizinhança do indestrutível. MHeidegger: Posfácio OQM (GA9)

O pensamento, dócil à voz do ser, procura encontrar-lhe a palavra através da qual a verdade do ser chegue à linguagem. Apenas quando a linguagem do homem historial emana da palavra, está ela inserida no destino que lhe foi traçado. Atingido, porém, este equilíbrio em seu destino, então lhe acena a garantia da voz silenciosa de ocultas fontes. O pensamento do ser protege a palavra e cumpre nesta solicitude seu destino. Este é o cuidado pelo uso da linguagem. O dizer do pensamento vem do silêncio longamente guardado e da cuidadosa clarificação do âmbito nele aberto. De igual origem é o nomear do poeta. Mas, pelo fato de o igual somente ser igual enquanto é distinto, e o poetar e o pensar terem a mais pura igualdade no cuidado da palavra, estão ambos, ao mesmo tempo, maximamente separados em sua essência. O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado. Não podemos analisar aqui, sem dúvida, como, pensado a partir do acontecimento (Wesen) do ser, o poetar e o reconhecer e o pensar estão referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados. Provavelmente o reconhecer e o poetar se originam, ainda que de maneira diversa, do pensamento originário que utilizam, sem, contudo, poderem ser, para si mesmos, um pensamento. MHeidegger: Posfácio OQM (GA9)

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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