GA6T1:341-342 – o morto e o vivente

Casanova

“Tomemos cuidado para que não venhamos a dizer que a morte é oposta à vida. O vivente é apenas uma espécie do que é morto, e uma espécie muito rara.” (A Gaia Ciência, n. 109)

Nesse aforismo, acha-se uma indicação de que o vivente é parco em termos de quantidade e raro em termos de ocorrência em comparação com a totalidade. No entanto, esse parco e esse raro permanecem sempre o fogo ardente que produz uma enorme quantidade de cinzas. De acordo com isso seria preciso dizer que o morto é uma espécie de vivente e de maneira alguma o inverso. Não obstante, essa última afirmação também é válida porque o morto provém do vivente e o condiciona novamente em sua superioridade numérica. O vivente é, então, apenas uma espécie oriunda da transformação e da força criadora da vida, e a morte, um estado intermediário. Com certeza, tal interpretação do pensamento nietzschiano em torno dessa época não é completamente adequada. Além disso, subsiste uma contradição entre duas ideias que podem ser formuladas da seguinte maneira: o morto é a cinza de inumeráveis seres viventes e a vida é apenas uma espécie do que é morto. Por um lado, o vivente determina a proveniência do que é morto, e, por outro, o que é morto é a espécie do vivente. Por um lado, o que está morto possui o primado, e, por outro, esse primado é transferido para o vivente.

Talvez estejam em jogo aqui dois pontos de vista diversos em relação ao morto. Se as coisas forem assim, então já desaparece a possibilidade de uma contradição. Se o morto é tomado em vista de sua cognoscibilidade e se o conhecimento é considerado como apreensão firme do que permanece constante, unívoco e inequívoco, então o morto como objeto do conhecimento tem o primado, e o vivente como dúbio e plurissignificativo é apenas uma espécie e um gênero bastardo do que é morto. Em contrapartida, se o próprio morto é pensado em vista de sua proveniência, então ele é apenas a cinza do vivente. O fato de o vivente, em termos de frequência e distribuição, permanecer aquém do morto não contradiz o fato de ele ser a sua origem, se é que pertence à essência do mais elevado permanecer o raro e mais raro. A partir de tudo isso é possível perceber uma coisa decisiva: com uma delimitação do inanimado ante o vivente segundo um único ponto de vista ainda não se alcança o cerne desse estado de coisas, e o mundo é assim mais enigmático do que nosso entendimento calculador gostaria de reconhecer (cf. quanto ao primado do que é morto: XII, n. 495 e segs., esp. n. 497). [GA6MAC:238-239]

Vermal

Farrell Krell

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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