GA66:14 – fracasso e utilidade da filosofia

Casanova

A filosofia é do seer; ela pertence a ele, não apenas como o modo de sua apreensão, por exemplo, mas como a essenciação da verdade pertencente ao seer. Nesta verdade, a filosofia possui sua história: porque ela é o ab-ismo, porém, a verdade do seer se enreda de antemão e durante muito tempo em uma aparência: a aparência de que o ser esgotaria como entidade a essência do seer (cf. XIV. O seer e o ser) e de que a representação do ser só seria impertinência com respeito a ele, uma impertinência que poderia prescindir do seer. A entidade torna-se objeto da representação mais universal e essa representação se transforma no (53) quadro das “ciências” como as formas fundamentais do saber. As ciências, porém, aparecem como realizações e produtos do “espírito” e como bens da “cultura”. Assim, não é de se espantar que se encontre a história do pensamento como história do espírito e da cultura ou como história de seus “problemas” e que essa história mesma seja considerada o que há de mais inquestiona-do. Todo vislumbre de que a filosofia poderia pertencer à história do seer, sim, de que ela se mostra até mesmo apenas como essa história, como a luta dos ab-ismos e fundações da verdade do seer, e nada além disto, permanece alijado. Em seu lugar impera a exigência da filosofia de produzir um ajuste de contas em relação ao ente e um asseguramento do homem presente (como “sabedoria de vida”, como “moral” instauradora de valores, como “ciência” que desvenda “enigmas do mundo”). Essa exigência, ao mesmo tempo vaga e pretensiosa, assume ares por fim de um tribunal de decisão, que decide quanto ao fracasso e à utilidade da filosofia. Algo deste gênero poderia ser computado como algo indiferente, se não se cristalizasse a partir daí de maneira cada vez mais irreconhecível e tenaz uma representação da filosofia que se degenera na recusa, que não é quase nem mesmo atentada, mas permanece intangível, de todo questionamento acerca da essência da filosofia.

A consequência desta má interpretação da filosofia exterioriza-se na conjuntura de uma época que lhe permite conhecer historiologicamente tudo sobre a filosofia e sua história e não saber nada sobre o um, que é abandonado à sua essência: questionar a pergunta acerca da verdade do seer e erigi-la em sua incontornabilidade em meio à perturbação do ente.

Um tal saber desdobra-se como meditação da filosofia sobre si mesma enquanto o pensar do seer. Essa meditação, porém, alcança o circuito da fundação essencial do homem, que há muito já continua impelindo para diante em meio à fuga insondável em relação à essência, uma fuga que esse circuito torna cada vez mais fácil e fugaz sob a aparência do progresso para a consumação de seu domínio.

Emad & Kalary

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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