GA65:197 – ser si mesmo é a essenciação do ser-aí

Casanova

O ser si mesmo é a essenciação do ser-aí e o ser si mesmo do homem realiza-se apenas a partir da insistência no ser-aí.

Costuma-se conceber o “si mesmo” por um lado na ligação de um eu “consigo”. Essa ligação é tomada como uma ligação representacional. E, por fim, a ipseidade daquele que representa é tomada com o representado enquanto essência do “si mesmo”. Neste caminho e em caminhos correspondentemente modulados, contudo, a essência do si mesmo nunca tem como ser alcançada.

Pois, antes de tudo, não há nenhuma propriedade do homem presente à vista e, com a consciência do eu, só há uma propriedade aparente. De onde vem essa aparência é algo que só pode ser clarificado a partir da essência do si mesmo. (311)

Ipseidade emerge como essenciação do ser-aí a partir da origem do ser-aí. E a origem do si mesmo é a proprie-dade. Essa palavra é aqui tomada como a palavra princip-ado. O domínio da apropriação no acontecimento apropriador. A apropriação é, sobretudo, atribuição apro-priadora e sobreapropriação. Na medida em que o ser-aí é atribuído de maneira apropriadora a si como pertencente ao acontecimento apropriador, ele chega a si mesmo; mas nunca de modo tal como se o si mesmo fosse já uma consistência presente à vista, só que ainda não alcançada até aqui. Ao contrário, o ser-aí só chega a si mesmo, na medida em que a atribuição apropriadora ao pertencimento se torna ao mesmo tempo sobreapropriação no acontecimento apropriador. Ser-aí – persistência constante do aí. A proprie-dade como domínio da apropriação é acontecimento da atribuição a si próprio e como sobreapropriação em si conjugada.

A insistência nesse acontecimento da propriedade possibilita pela primeira vez ao homem chegar a “si” historicamente e ser junto a si. E somente esse junto a si é o fundamento suficiente, para assumir verdadeiramente o para o outro. Mas o chegar-a-si nunca é justamente uma representação do eu anteriormente desatada, mas a assunção do pertencimento à verdade do ser, salto para o interior do aí. A propriedade como fundamento da ipseidade funda o ser-aí. Propriedade, porém, é ela mesma uma vez mais a persistência constante da viragem no acontecimento apropriador.

Propriedade é, assim, ao mesmo tempo o fundamento consonante com o ser-aí da retenção.

A ligação reflexiva, que é denominada no “si”, para “si”, junto a “si”, por “si”, tem sua essência na apropriação.

Na medida em que agora o homem se encontra mesmo no abandono do ser ainda no aberto da inessência do ente, está incessantemente dada a possibilidade de ele ser por “si”, de ele retornar a “si”. Mas o “si” e o si mesmo determinado a partir daí como o apenas si mesmo permanece vazio e só se preenche a partir do ente presente à vista e previamente dado e do que é empreendido precisamente pelo homem. O para-si não tem nenhum caráter de decisão e é sem saber em torno do aprisionamento no acontecimento do ser-aí. (312)

A ipseidade é mais originária do que todo eu e do que todo tu e nós. Esses só se reúnem enquanto tais no si mesmo e se tornam, assim, a cada vez eles “mesmos”.

Inversamente, a dispersão do eu, do tu e do nós, assim como o seu esboroamento e o seu superdimensionamento, não é nenhum mero fracasso do homem, mas o acontecimento da impotência em relação a suportar e saber sobre a propriedade, o abandono do ser.

Ser si mesmo – com isso temos em vista de saída sempre o seguinte: fazer e deixar de fazer por si, dispor de si. Mas o “a partir de si” é um primeiro plano ilusório. A partir de si pode não ser mais do que uma mera “teimosia”, da qual diverge toda atribuição apropriadora e toda sobreapropriação a partir do acontecimento apropriador.

A amplitude de vibração do si mesmo se dirige para a originariedade da propriedade e, com isso, para a verdade do seer.

Expelidos dessa verdade e cambaleando no abandono do ser, nós não sabemos senão muito pouco sobre a essência do si mesmo e sobre os caminhos para o saber autêntico. Pois por demais tenaz é o primado da consciência “egoica”, sobretudo porque essa consciência pode se esconder em múltiplas figuras. As mais perigosas são aquelas, nas quais o “eu” sem mundo teria aparentemente abdicado de si e se entregue a um outro, que seria “maior” do que ele e ao qual ele é atribuído de maneira parcial e parte a parte. A dissolução do “eu” na “vida” como povo: aqui, a superação do “eu” é viabilizada a partir do abandono da primeira condição de tal superação, a saber, a meditação sobre o ser-si-mesmo e sobre sua essência, que se determina a partir da atribuição apropriadora e da sobreapropriação.

A ipseidade é o estremecimento conquistado a partir do acontecimento da apropriação que suporta tal acontecimento, o estremecimento da reciprocidade da contenda na abertura do fosso abissal.

Rojcewicz & Vallega-Neu

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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