Tudo o que comparece na vida comparece “de alguma forma” (irgendwie). Por norma, não é este modo que comparece para a vida no fluir das suas tendências, senão isso que comparece o faz “de algum modo”. E este é também o caso quando um “de algum modo” aparece para a vida factual como uma figura da vida, quando ela tenta alcançá-lo como o objetivo de uma tendência. O carácter fundamental da autossuficiência nas formas e figuras da própria vida é aqui mais uma vez demonstrado. (Assim, há pessoas que têm uma forte predisposição para o cómico, que veem situações eminentemente cómicas onde outros encontram trivialidades e se aborrecem. Veem o mundo circundante e partilhado no “de algum modo” do cómico, nomeadamente apreciando e “divertindo-se” com o próprio cómico como uma personagem dada que é de alguma maneira dada no mundo circundante e partilhado).
Assim, o que encontramos no mundo circundante, seções dele que encontramos delimitadas de alguma forma, oferecem o terreno para as ciências em que esses elementos do mundo circundante que, por seu lado, já se manifestam de algum modo, se apresentam em novos nexos expressivos (Ausdruckszusammenhang). Como cientistas, tais nexos são diferentes, pois o objeto temático das ciências é definido pelas tendências da vida real moldadas de uma certa forma e pelos mundos-da-vida a elas ligados na sua forma específica. Aos nexos de expressão genuínos e mundanos correspondem as formas de explicitação coordenadas com eles (isto é, motivadas de diferentes maneiras com base neles) do conhecimento, do conhecimento teórico.
[55] Assim, o nexo de expressão englobado pelo título “ciência” parece, de certo modo, apoderar-se de todos os setores da vida e do mundo. Recorta, por assim dizer, certos setores que se exprimem na ciência de um modo científico. Toda a vida no seu passado se manifesta como tal na ciência histórica: história do espírito (história da literatura, da arte, da religião, da economia, dos Estados); natureza: ciência natural, história natural (paleontologia). E, no entanto, a “ciência” é apenas um elo de manifestação entre outros, e já foi salientado que não deve ser absolutizado; especialmente na fase atual da nossa consideração, parece inapropriado entrar em detalhes sobre este elo de manifestação, uma vez que o objetivo é fazer compreender de forma geral o aspecto da vida segundo o qual tudo na vida se manifesta, se expressa, se torna manifesto de alguma forma.Apesar disso, é necessário, no entanto, dizer aproximadamente porque é que, apesar de vermos claramente a particularidade do nexo de manifestação “ciência”, nos debruçamos sobre ele com uma intenção metódica. Vemos para além da vida factual — mundos em que a vida factual vive. O que esta encontra torna-se o objeto da ciência. Mas a reivindicação de uma ciência da vida, ou seja, de uma ciência da origem, também está viva nas nossas considerações. Esta forma de manifestação pode, portanto, ser útil pelo menos para refinar a nossa abordagem. Por conseguinte, não é de somenos importância considerar e sublinhar com uma certa completude as possibilidades de a vida entrar no nexo expressivo “ciência”, tendo em conta o aspecto acima mencionado da vida factual e das suas formações.
Ao círculo daquilo que encontramos e que é compreensível pertence não só o mundo circundante, mas também o mundo partilhado — o vizinho que vive “comigo” e “com quem” eu próprio vivo; “mundo partilhado” como fragmento do qual é possível fazer experiência, que pode ser encontrado imediatamente, uma figura da manifestação da sociedade humana. Ciência, portanto, das figuras e formações do mundo partilhado, do seu desenvolvimento histórico: história das igrejas, das seitas, dos estados, das cidades, das vilas, das aldeias, história das universidades, das corporações, das linhagens, das famílias.
Mas, mais uma vez, tudo isto são tendências e formações já solidificadas e estabelecidas da vida partilhada, que mostram ligações muito mais “originais”, múltiplas e simples: levo alguém a casa nesta escuridão; almoço com ele ao meio-dia; empresto-lhe um livro raro; escrevo cartas, falo ao telefone; levo esta roupa para outro, para uma saída à noite, para “ir ao teatro”.
O mundo partilhado e o mundo circundante vivem num nexo peculiar de interpenetração com o meu mundo do si mesmo, cuja estabilidade provém precisamente deste nexo, na medida em que é vivo e fluido, ao ponto de se ter pensado que o mundo partilhado e a sociedade em geral não são nada de real, mas consistem apenas na soma e na reunião de indivíduos. Assim, o mundo do si de uma pessoa também pode ser moldado como tal e tornar-se o objeto temático de uma ciência.