GA45:§2 – A filosofia como saber imediatamente inútil…

Casanova

Sempre segundo o curso profundo da história de um povo, o poetar do poeta e o pensar do pensador, a filosofia, encontram-se presentes ou ausentes em seu início, no início que a tudo determina. Um povo histórico sem filosofia é como uma águia sem a amplitude elevada do éter radiante, no qual seus movimentos oscilatórios se transformam no mais puro impulso.

A filosofia é algo completamente diverso da “visão de mundo” e fundamentalmente distinto de toda “ciência”. Por si mesma, a filosofia não pode substituir nem a visão de mundo nem a ciência; mas ela nunca pode ser tampouco avaliada segundo tal possibilidade. Não pode ser medida de maneira alguma senão por sua essência, ora reluzente, ora velada. Se tentarmos calcular se a filosofia tem alguma utilidade imediata e qual pode ser essa utilidade, também perceberemos que a filosofia não realiza nada.

Todavia, pertence necessariamente ao caráter da opinião habitual e do pensamento “prático” o fato de sempre se estimar equivocadamente a filosofia, seja sob o modo de uma superestimação, seja sob a forma de uma subestimação. A filosofia é superestimada quando esperamos de seu pensamento um efeito que traga imediatamente consigo uma utilidade. A filosofia é subestimada quando não reencontramos em seus conceitos, senão “abstratamente” (de maneira dispersa e diluída), aquilo que o lidar com as coisas, pautado pela experiência, já assegurara de modo palpável.

A questão é que um saber filosófico autêntico nunca se mostra como o suplemento claudicante, que segue as representações mais gerais sobre o ente já conhecido sem tal esforço. Ao contrário, a filosofia é muito mais o saber que abre, antecipando-se por meio de um salto, novos âmbitos de questões e novos aspectos da questão, um saber acerca da essência constantemente autoveladora das coisas. Exatamente por isso, esse saber nunca pode se transformar em algo útil. A meditação filosófica nunca produz um efeito, se é que ela o produz, senão de maneira mediata, na medida em que prepara, para todo comportamento, novos ângulos de visão e novos critérios para toda decisão. A filosofia só consegue fazer algo assim, contudo, quando se lança arrojadamente em direção ao que lhe há de mais próprio: estabelecer por meio do pensamento para o ser-aí humano a finalidade de toda meditação e erigir, assim, na história do homem, um domínio velado. Por isso, precisamos dizer: a filosofia é o saber imediatamente inútil, apesar de soberano, sobre a essência das coisas.

Não obstante, a essência do ente permanece a todo momento aquilo que há de mais digno de questão. Na medida em que, por meio de seu questionamento incessante, a filosofia nunca luta senão pela apreciação desse elemento maximamente digno de questão e jamais atualiza aparentemente “resultados”, ela sempre permanecerá necessariamente estranha ao pensamento que se liga de maneira empedernida ao cálculo, ao uso e à possibilidade de aprendizado. Porquanto as ciências e, em verdade, não apenas as ciências naturais, precisam tender ininterruptamente a uma completa “tecnicização”, a fim de seguir até o fim o seu caminho há muito fixado; e porquanto as ciências parecem estar ao mesmo tempo de posse do saber propriamente dito, realiza-se precisamente nas ciên­cias, e por meio delas, a mais aguda alienação em relação à filosofia e, ao mesmo tempo, a comprovação supostamente convincente do caráter prescindível da filosofia.

(Verdade e “ciência”: é somente quando e a cada vez em que acreditamos estar de posse da “verdade”, que chegamos à ciência e ao seu funcionamento. A “ciência” é a negação de todo saber sobre a verdade. Achar que a ciência seria hoje perseguida e hostilizada é um erro fundamental: as coisas nunca estiveram tão boas para a “ciência” quanto hoje, e elas ainda ficarão melhores para ela do que até aqui. No entanto, nenhum homem do saber invejará os “cientistas” – os mais deploráveis escravos dos tempos modernos.

A reinserção da “ciência” naquilo que é digno de questão [Cf. “A autoafirmação da universidade alemã”] é a dissolução da “ciência” moderna).

Rojcewicz

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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