Denomina-se idealismo (Idealismus) essa opinião doutrinária (Lehrmeinung), segundo a qual nosso representar (Vorstellen) só se relacionaria com o representado, o perceptum, a idea. A opinião contrária (Gegenmeinung), segundo a qual o representar alcança a coisa mesma (res) e aquilo que pertence a ela (realia), é chamada, desde o avanço do idealismo, de realismo (Realismus). Todavia, esses irmãos inimigos, entre os quais um adora se arrogar superior ao outro, concordam completamente, sem que o saibam de maneira clara, no essencial, isto é, naquilo que fornece o pressuposto e a possibilidade de sua contenda: o fato de a relação com o ente se mostrar como o representar do ente e de a verdade do representar consistir nessa correção (Richtigkeit). Um pensador como Kant, que pensou às últimas consequências, fundamentou e reteve de uma forma maximamente profunda o idealismo, admite de antemão que a concepção da verdade como correção do representar – como concordância com o objeto (als Übereinstimmung mit dem Gegenstand) – precisaria permanecer intocada. O realismo, porém, por outro lado, ao achar que, por conseguinte, mesmo Kant, o mais profundo de todos os “idealistas”, seria uma testemunha-chave em favor do realismo, permanece preso a um erro maior. Não – não se segue dessa retenção de Kant da definição tradicional, senão inversamente, que o realismo se encontra sobre o mesmo solo que o idealismo na definição de verdade como correção do representar, e sim, de acordo com um conceito mais rigoroso e mais originário de “idealismo”, que ele mesmo continua sendo idealismo. Pois mesmo segundo a doutrina do realismo – do realismo crítico e do ingênuo –, a res, o ente, é alcançado pela via do representar, da idea. O idealismo e o realismo, portanto, descrevem as duas posições fundamentais extremas na doutrina da relação do homem com o ente. Todas as doutrinas até aqui sobre essa relação e seu caráter – a verdade como correção – ou são reconfigurações unilaterais das posições extremas, ou variantes quaisquer das inúmeras misturas e formas híbridas das duas opiniões doutrinárias. A contenda entre todas essas opiniões pode prosseguir ao infinito, sem jamais levar a uma meditação (Besinnung) e a uma intelecção (Einsicht), porque a característica distintiva dessa disputa infrutífera é abdicar de antemão do questionamento acerca do solo sobre o qual se movimentam os contendores. Em outras palavras: considera-se como óbvia, por toda parte, a concepção da verdade (Wahrheit) como correção do representar, tanto na filosofia quanto na opinião (Meinen) extrafilosófica.
(HEIDEGGER, Martin. As Questões Fundamentais da Filosofia (“Problemas” seletos da “lógica”). Tr. Marco Antonio Casanova. São Paulo: Martins Fontes, 2017, §7)