GA45:§1 – tonalidade afetiva e filosofia

Casanova

“Questões fundamentais da filosofia” – isso parece implicar que haveria “a filosofia” em si, de cujo domínio seriam extraídas, então, “questões fundamentais”. Mas esse não é nem pode ser o caso. Ao contrário, é só por meio do questionamento das questões fundamentais da filosofia que se determina o que a filosofia é. Na medida em que as coisas se comportam desse modo, somos obrigados a indicar de antemão como a filosofia se nos torna manifesta quando questionamos; isto é, quando investimos todas as coisas – a saber, tudo – nesse questionamento, e não apenas agimos como se perguntássemos, acreditando sempre já possuir as nossas supostas verdades.

Essa breve interpretação prévia da essência da filosofia não tem por tarefa senão sintonizar a tonalidade afetiva fundamental correta ou, dito de maneira mais prudente, levar essa tonalidade afetiva fundamental a uma primeira ressonância. Mas ora: a filosofia, o trabalho pensante mais rigoroso do conceito e – a tonalidade afetiva? Como essas duas coisas se coadunam, filosofia e tonalidade afetiva? Com certeza, elas se coadunam; pois justamente se e porque a filosofia é e continua sendo o pensamento mais tenaz oriundo da mais pura sobriedade, ela emerge e permanece em uma tonalidade afetiva maximamente elevada. A pura sobriedade não é com certeza um nada, ela não se mostra de modo algum apenas como a ausência de uma tonalidade afetiva, nem tampouco como a mera frieza do conceito rígido. Ao contrário, a pura sobriedade do pensamento não é no fundo senão a mais rigorosa manutenção-em-si da mais elevada tonalidade afetiva, daquela tonalidade afetiva justamente que se abriu ao fato único e descomunal: o fato de que o ente é e não antes não é.

Essa tonalidade afetiva fundamental da filosofia, isto é, da filosofia futura, se é que algo pode ser dito imediatamente sobre ela, nós denominamos retenção. Na retenção, dois elementos estão unidos e se compertencem de maneira originária: o terror diante daquilo que há de mais próximo e importuno, a saber, o fato de que o ente é, e, ao mesmo tempo, o pudor ante o fato mais remoto de que o seer se essencializa no ente e antes de todo ente. A retenção é aquela tonalidade afetiva na qual esse terror não é superado e alijado, mas, precisamente, resguardado e conservado por meio do pudor. A retenção é a tonalidade afetiva fundamental da ligação com o seer. Nessa ligação, o velamento da essência do seer torna-se aquilo que há de mais digno de questão. Apenas quem se lança no fogo ardente da questão acerca desse elemento maximamente digno de questão tem o direito de dizer mais do que uma palavra alusiva sobre essa tonalidade afetiva fundamental. Se ele conquistou arduamente esse direito, não precisará usá-lo, mas terá antes de silenciar. A tonalidade afetiva fundamental, contudo, nunca pode ser transformada em objeto de um falatório, por exemplo, segundo o modo popular e precipitado que constata agora que o que estamos ensinando aqui é uma filosofia da retenção.

Rojcewicz

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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