A prioridade do a priori é a prioridade da essência da coisa (Wesens der Dinge). O que possibilita a uma coisa ser aquilo que é precede essa coisa, de acordo com a própria questão e com a «natureza», mesmo se concebemos este precedente, pela primeira vez, a partir da tomada de conhecimento de quaisquer propriedades mais imediatas da coisa (sobre a prioritas naturae cf. Leibniz, ed. Gerhard, II, p. 263, carta a de Volder de 21.01.1704). Na ordem da compreensão explícita, o que precede, de acordo com a natureza da questão, é posterior. O πρότερον φύσει é ύστερον πρός ήμας: Ο facto de aquilo que precede, de acordo com a natureza da questão, ser posterior na ordem do conhecimento conduz facilmente e repetidamente ao erro de se pensar que ele é também posterior por natureza e, por consequência, sem importância e, no fundo, indiferente. A esta opinião, largamente difundida e, acima de tudo, cômoda, corresponde uma cegueira peculiar em relação à essência da coisa e em relação à importância determinante do conhecimento da essência (Wesen). O predomínio de uma tal cegueira em relação à essência constitui sempre um obstáculo para uma transformação do saber e das ciências. Por outro lado, as transformações decisivas do saber e da atitude do homem para com ele dependem do facto de aquilo que precede por natureza ser tomado, para que o questionar (Fragen) se possa fazer correctamente, como o que está primeiro e como tema permanente.
A priori é o nome para a essência da coisa (Das a priori ist der Titel für das Wesen der Dinge). Conforme o modo como a coisalidade da coisa (Dingheit des Dinges) é concebida e como, em geral, o Ser do ente é compreendido, são interpretados o a priori e a sua prioritas. Sabemos que, para a filosofia moderna, o princípio do eu, quer dizer, o que é pensado no puro pensar do eu, enquanto sujeito eminente, é o primeiro princípio na hierarquia das verdades e das proposições. Assim, acontece, reciprocamente, que tudo o que é pensado (163) no puro pensar do sujeito tem o valor de a priori. A priori é o que, no sujeito (Subjekt), na mente (Gemüt), está já preparado. A priori é o que pertence à subjectividade (Subjektivität) do sujeito. Pelo contrário, tudo o resto, que se torna acessível através de uma saída do sujeito e de uma penetração no objecto (Eingehen auf das Objekt), através das percepções (Wahrnehmungen), é, visto a partir do sujeito, posterior, a posteriori.
Não podemos entrar aqui na história desta distinção entre a priori (prévio, segundo a posição) e a posteriori (posterior, segundo a posição). Kant, de certo modo, foi buscar uma tal distinção ao pensamento moderno e, com o seu auxílio, caracterizou a distinção entre juízos analíticos e sintéticos. Um juízo analítico (analytisches Urteil), que tem meramente no conceito o fundamento que determina a verdade da sua relação sujeito-objecto, permanece antecipadamente no âmbito da análise de conceitos, no âmbito, portanto, do puro pensar; é a priori. Os juízos sintéticos (synthetischen Urteile) são a posteriori. Aqui, devemos, em primeiro lugar, ultrapassar o conceito, em direcção ao objecto, ao qual as determinações são atribuídas «posteriormente».
(Martin Heidegger. Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais. Lisboa: Edições 70, p. 163-164)