GA31:262-263 – pessoalidade de uma pessoa

Casanova

O que constitui, então, a pessoalidade de uma pessoa? Nós compreendemos isso, se considerarmos a pessoalidade em sua diferença em relação à humanidade e à animalidade do homem.1 Tudo aí constitui o todo dos elementos da determinação da essência plena do homem. Em verdade, a definição tradicional do homem conhece apenas dois elementos desta determinação: homo animal rationale, o homem é um animal dotado de razão. Por conseguinte, é a animalidade que caracteriza o homem enquanto ser vivo. A razão é o segundo momento, que não constitui agora naturalmente o conteúdo daquilo que Kant denomina a humanidade, mas a humanidade é aquilo que caracteriza o homem enquanto um ser vivo e, ao mesmo tempo, enquanto um ser racional. No conceito da humanidade reside concomitantemente a ligação com a animalidade. Aquilo que Kant concebe por animalidade é em certa medida o conteúdo da definição tradicional. Mas a essência do homem não é esgotada em sua humanidade, mas ela se consuma pela primeira vez e se (302) determina propriamente na pessoalidade. Ela transforma o homem em um ser racional e, ao mesmo tempo, em um ser imputável. Um ser, ao qual algo pode ser imputado, precisa poder ser em si responsável por si mesmo. A essência da pessoa, a pessoalidade, consiste na autorresponsabilidade. Kant acentua expressamente que a determinação do homem como um ser vivo racional não é suficiente, porque racional também pode ser um ser, que não possui a possibilidade de ser praticamente por si mesmo, de agir em virtude de si mesmo. A razão poderia ser uma razão meramente teórica, de tal modo que o homem refletiria, em verdade, com o auxílio da razão em seu fazer, mas deduziria todos os impulsos de seu agir, porém, de sua sensibilidade, de sua animalidade. A essência do homem, se ela não se confunde com a sua humanidade, consistiria, então, precisamente em ir além de si, enquanto pessoa, na pessoalidade. Assim, Kant também determina a “pessoalidade” como aquilo “que eleva o homem para além de si mesmo (como uma parte do mundo sensível)”.2 A essência do homem, a humanidade, não consiste, por conseguinte, em sua humanidade, caso entendamos por tal humanidade a unidade de razão e sensibilidade, mas ela se encontra para além dessa sensibilidade na pessoalidade. O ser homem propriamente dito, a essência da própria humanidade, reside na pessoa. Assim, Kant também utiliza a expressão humanidade de maneira formal como termo para o ser todo, propriamente dito do homem, e fala da “humanidade em sua pessoa” 3.

Se tomarmos o homem não como ser sensível e como ser mundano, não cosmologicamente, mas se o compreendermos a partir daquilo que o distingue, a partir de sua pessoalidade, então o teremos em vista como um ser responsável por si. Responsabilidade por si é, nesse caso, o modo fundamental do ser, que determina todo fazer e deixar de fazer, o agir humano (303) especificamente distinto, a práxis ética. Em que medida e de que maneira nós nos deparamos com a liberdade, se considerarmos o homem segundo a sua pessoalidade, segundo o ser pessoa? [ELHIF:301-303]

Sadler

Original

  1. Cf. Kant, A religião no interior dos limites da razão pura. WW (Cassirer), VI, 164. Parte I, Seção II.[↩]
  2. Kant, Crítica da razão pura, p. 101 (V, 154).[↩]
  3. Op. cit., p. 102 (V, 155 e 157).[↩]
  4. Vgl. Kant, Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft. WW (Cassirer), VI, 164.1. Stück, II. Abschn.[↩]
  5. Kant, Kr. d. pr. V., S. 101 (V, 154).[↩]
  6. a.a.O., S. 102 (V, 155 u. 157).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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