GA29-30:280-282 – filosofia produz conceitos fundamentais e a ciência distribui fatos

Casanova

A relação entre investigação positiva e metafísica não é coisa de uma atividade organizada nem de um encontro casual, mas é sim destino. O que significa sempre: ela é codeterminada pela prontidão interna para a comunidade recíproca. Toco neste ponto porque este estado de coisas é decisivo para a nossa universidade hoje. Há sinais característicos da falta de uma tal prontidão tanto para a investigação positiva quanto para a metafísica. No lado da filosofia, este sinal se mostra através daquele ar de suma sapiência, com o qual nos sentimos superiores por causa de um saber filosófico marcado por conceitos e fórmulas conceituais apenas ouvidos e retirados dos livros e com o qual tentamos também nos assenhorar de fora, de maneira pedante, de determinadas ciências. Porque o saber filosófico é mais universal, ele é supostamente superior. Mas este ar de suma sapiência característico da pretensão de tudo saber melhor não é nenhuma compreensão plenificada, alcançada através da luta pelas coisas mesmas. A este ar de (246) pretenso saber característico da pseudofilosofia corresponde no âmbito da investigação científica a obstinação no apelo aos assim chamados fatos, a incompreensão de que um fato por si não nos oferece nada – todo e qualquer fato conduzido ao campo de investigação é já transpassado por uma interpretação. Este ar de suprema sapiência da filosofia e esta teimosia das ciências provocam o aparecimento daquela pertinácia incurável dos discursos que passam um ao largo do outro, o surgimento daquela aparência de liberdade que entrega finalmente seu campo a qualquer um outro e que não é no fundo senão a incerteza inerente a tudo o que é precário e insuficiente. Este estado é característico da ciência atual e é seu perigo mais intrínseco. Um perigo tanto mais fatídico, uma vez que não é propriamente conhecido e entendido. Ao contrário, vê-se aí o começo de um estado ideal, segundo o qual a ciência se transforma em uma técnica que transcorre em si mesma e a filosofia em parte integrante da assim chamada formação universal. Está claro que não estamos assim preparados para uma comunidade real entre a metafísica real e a ciência real. É verdade que, durante algum tempo, pareceu que a ciência enquanto tal perdera seu solo e então vacilava. Foi a partir daí que se instaurou mesmo a palavra-chave: crise da fundamentação das ciências. No entanto, esta crise não consegue irromper seriamente e conquistar antes de tudo a duração necessária porque não nos deixamos absolutamente abalar de maneira tão ampla a ponto de receber a correspondente amplitude da visão para o descomunal e ao mesmo tempo elementar das novas tarefas. A ciência não se insere aí porque já está por demais entregue à utilidade prático-técnica. O que restou e resta mesmo é: a filosofia produz conceitos fundamentais e a ciência distribui fatos. Estes são os fundamentos (Grunde) existenciais essenciais para a relação entre ciência e filosofia. Estas são as razões (Grunde) que tornam difícil nos orientarmos, quando somos transpostos para o interior da necessidade de criarmos para nós a segurança indispensável quanto à relação entre ciência e filosofia.

McNeill & Walker

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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