GA24:175-176 – Sujeito e Objeto

Apesar de, visto em termos principiais, tudo ter permanecido na mesma na filosofia moderna, a distinção e o acento no sujeito 1 precisaram de qualquer modo levar a que se colocasse de alguma maneira a diferença entre sujeito e objeto 2 no centro e a que se tomasse de maneira mais profunda também a própria essência da subjetividade 3.

O que importa de saída é ver de que maneira a filosofia moderna toma essa diferença entre sujeito e objeto, mais exatamente, como a subjetividade é caracterizada. Essa diferenciação entre sujeito e objeto penetra a problemática de toda a filosofia moderna e alcança até mesmo o cerne do desenvolvimento da fenomenologia atual. Em suas Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica, Husserl diz: “A doutrina das categorias precisa partir efetivamente dessa mais radical de todas as diferenciações ontológicas – ser como consciência 4 (isto é, res cogitans) e ser como ser ‘transcendente’ que ‘se anuncia’ na consciência – (isto é, res extensa)”5. “Entre a consciência (res cogitans) e a realidade (res extensa) se abre um verdadeiro abismo do ser”6. Husserl refere-se constantemente a essa [184] diferença e precisamente da forma como a enunciou Descartes: res cogitans; res extensa.

Como é preciso determinar mais exatamente essa diferença 7? Como é que, ante a realidade, o que significa aqui, ante a realidade efetiva 8, a presença à vista 9, se toma o ser do sujeito, do eu? Com o fato de essa diferença ser afirmada ainda não está dito que os diversos modos de ser desse ente também são expressamente concebidos. Mas se o ser do sujeito deveria se mostrar como algo diverso da presença à vista, então se estabelece com isso um limite fundamental à equiparação feita até aqui entre ser e realidade efetiva ou presença à vista. A questão da unidade do conceito de ser em contraposição a essas duas multiplicidades inicialmente vistas do ser torna-se ainda mais premente.

Com vistas ao que sujeito e objeto são ontologicamente distintos? Para respondermos essa pergunta, poderíamos nos orientar convenientemente pelas determinações cartesianas. Ele colocou pela primeira vez expressamente essa diferença em uma posição central. Ou nós poderíamos buscar informações junto à estação final decisiva do desenvolvimento da filosofia moderna, junto a Hegel, que formulou a diferença como a diferença entre natureza 10 e espírito 11 ou entre substância e sujeito. Não escolhemos nem o início, nem o fim do desenvolvimento desse problema, mas sim a estação intermediária decisiva entre Descartes e Hegel, a concepção kantiana do problema, concepção essa que foi tão determinada por Descartes quanto determinante para Fichte, Schelling e Hegel.

[HEIDEGGER, Martin. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Tr. Marco Antônio Casanova. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 183-184]
  1. ?Subjekt[]
  2. ?Objekt[]
  3. ?Subjektivität[]
  4. ?Bewusstsein[]
  5. HUSSERL. Ideias, vol. 1, p. 174.[]
  6. Ibid., p. 117.[]
  7. ?Unterschied[]
  8. ?Wirklichkeit[]
  9. ?Vorhandenheit[]
  10. ?Natur[]
  11. ?Geist[]