GA13:40-43 – Serenidade (Gelassenheit)

Andrade & Santos

Erudito – Na medida em que pelo menos nos podemos desabituar do querer, ajudamos a despertar a serenidade.

Professor – Ou antes, ajudamos a mantermo-nos despertos para a serenidade.

E – Por que não ajudar a despertar?

P – Porque o despertar da serenidade em nós não parte de nós próprios.

Investigador – A serenidade é, portanto, provocada por outros meios.

P – Não é provocada, mas sim permitida.

E – Com efeito, ainda não sei o que significa a palavra serenidade; mas suponho vagamente que ela desperta quando ao nosso ser (Wesen) lhe é permitido aceder (zugelassen ist, sich auf das einzulassen) a algo que não é um querer.

I – Fala sempre de um deixar (Lassen), de tal modo que dá a impressão de se referir a uma espécie de passividade. Não obstante, julgo saber que não se trata de modo algum de um deixar deslizar e deixar à deriva (kraftloses Gleiten- und Treibenlassen) as coisas. (34)

E – Talvez se oculte na serenidade (Gelassenheit) uma acção mais elevada do que todas as acções do mundo e do que todos os feitos da humanidade…

P – …acção mais elevada que não é, no entanto, uma actividade.

I – Logo, a serenidade está, caso se possa aqui falar de um estar (Liegen), fora da distinção de activi-dade e de passividade …

E – …porque a serenidade não pertence ao domínio da vontade.

I – A transição do querer para a serenidade parece-me ser o ponto difícil.

P – Especialmente quando a essência da serenidade ainda nos permanece oculta.

E – E isso sobretudo pelo facto de a serenidade também poder ser concebida no domínio da vontade, tal como o foi por antigos mestres do pensamento como, por exemplo, Meister Eckhart.

P – Com o qual, não obstante, há muito de bom a aprender.

E – Com certeza; mas é evidente que a serenidade por nós mencionada não significa a rejeição do egoísmo pecaminoso, nem o abandono da vontade própria em prol da vontade divina.

P – Pois não.

I – Aquilo que, para nós, a palavra serenidade não deve designar é para mim claro, em muitos aspectos. Mas, ao mesmo tempo, sei cada vez menos sobre aquilo de que estamos a falar. (35)

Procuramos, pois, determinar a essência do pensamento. O que tem a serenidade a ver com o pensamento?

P – Nada, se concebermos o pensamento como representação, tal como o fizemos até aqui. Mas talvez a essência do pensamento, que procuramos, entre (eingelassen) na serenidade.

I – Não consigo representar (vorstellen) essa essência do pensamento, nem com a maior boa vontade.

P – Precisamente porque essa maior boa vontade e o seu tipo de pensamento como representação o impedem de o fazer.

I – Céus, que deverei então fazer?

E – O mesmo me pergunto eu.

P – Não devemos fazer nada a não ser aguardar.

E – E uma fraca consolação.

P – Fraca ou forte, também não devemos aguardar qualquer consolação, que é afinal o que fazemos quando mergulhamos no desconsolo.

I – Devemos aguardar porquê? E onde devemos aguardar? Quase que já nem sei onde estou, nem quem sou.

P – Todos o deixaremos de saber assim que deixarmos de nos enganar a nós próprios.

André Préau

Anderson & Freund

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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