- nossa tradução
- Rivera & Davidson
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A filosofia moderna é original e fundamentalmente cartesiana. Além das diferenças que separam seus respectivos conceitos de história, filosofia e história da filosofia, Hegel e Heidegger colocam Descartes na origem do último epoché da filosofia. Descartes estabelece o cogito como o fundamento absoluto e certo de toda a verdade e eleva então método à dignidade de um tema. O paradigma desse método é a matemática, que leva a filosofia moderna a assumir a forma de uma mathesis universalis que é subjetivamente fundada: a ciência da consciência e a matemática formal. Como pré-condição, o pensamento exige a elucidação dessa figura suprema; requer, portanto, uma repetição. Se a fenomenologia husserliana constitui essa repetição – a mais profunda e mais refinada -, é necessário retornar a ela continuamente.
Husserl também forjou sua própria “invenção poética da história da filosofia”, segundo a qual Descartes é o “gênio fundamentalmente fundador de toda a filosofia moderna”. Este é o caso em dois aspectos, devido a uma equivocidade oculta em seu pensamento, que fornece o ritmo e a articulação de toda a filosofia que leva ao surgimento da fenomenologia. Por um lado, Descartes estabeleceu um racionalismo sistemático, mais físico do que matemático, na medida em que exigia que o conhecimento filosófico fosse absolutamente fundado e baseado em um conhecimento imediato, adequado e apodítico. Ao descobrir uma nova esfera ontológica, o ego cogito, ele estabeleceu uma subjetividade transcendental absoluta que precede, em princípio, todo ente concebível. Em outras palavras, ele trouxe a possibilidade de uma questão transcendental do mundo, retornando e recorrendo a uma origem cujo modo de ser não é mundano, em um sentido sem precedentes. Mas, por outro lado, ao interpretar o ego como um mens sive animus sive intellectus, como uma psique – ou, em suma, como ser-no-mundo –, ele dá livre domínio ao psicologismo, empirismo e ceticismo. Descartes está na origem do psicologismo transcendental, um ‘deslocamento que falsifica tudo’, e essa ‘falsificação’ só se torna perceptível do ponto de vista da fenomenologia transcendental.
Esse diagnóstico significa que a filosofia é uma teoria do conhecimento, isto é, de um sujeito conhecedor em sua relação com um objeto conhecido. Mas se a alma é o resíduo da abstração do corpo, depois dessa abstração ela aparece como um complemento do corpo e seu significado mantém uma referência ao mundo físico. Assim, somos levados a transformar o conhecimento do mundo físico em um evento físico, a fim de garantir que o conhecimento possua o mesmo modo de ser que seu objeto: essa é a ‘falência’ cética da filosofia e da ciência. Se Descartes deu origem ao psicologismo, isso não se deve principalmente à identificação da alma com o ego transcendental. Essa identificação vem da restrição da epoché a uma dúvida que é universal apenas como tentativa de dúvida, uma vez que o ego que percebe é provado ser indubitável. E, em última análise, essa restrição se origina da própria pergunta de Descartes: como alguém pode adquirir certo conhecimento de coisas externas? Husserl coloca uma questão que se encontra anterior a esta: como a consciência pode sair de si mesma para postar as coisas como transcendentes?
Rivera & Davidson
- Hegel writes, ‘With Descartes the culture of modern times, the thought of modern Philosophy, really begins to appear’ and ‘With him the new epoché in Philosophy begins.’ See G. W. F. Hegel, Lectures on the History of Philosophy, Volume 3: Medieval and Modern Philosophy, trans. E. S. Haldane and Frances H. Simson (Omaha, NE: University of Nebraska Press, 1995), pp. 217 and 223 respectively. Similarly, Heidegger writes ‘The whole of modern metaphysics, Nietzsche included, maintains itself within the interpretation of the being and of truth opened up by Descartes.’ He continues, ‘With Descartes, there begins the completion of Western metaphysics.’ See Martin Heidegger, Off the Beaten Track, trans. Julian Young and Kenneth Haynes (Cambridge: Cambridge University Press, 2002), pp. 66 and 75 respectively.[
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- Husserl, Crisis of European Sciences, p. 395.[
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- Ibid., §16, p. 73. Husserl also writes, ‘Though in a very general sense, all modern philosophy is Cartesian, and similarly, all physics is Galilean.’ Husserliana, Bd. VI, p. 425.[
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- See Husserl, Ideas II, §32, p. 58.[
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- See Husserl, The Idea of Phenomenology, trans. Lee Hardy
(Dordrecht: Kluwer Academic, 1999), passim.[]