A preocupação com o pensamento, a consideração do intelecto é a disciplina da língua. Se o elemento do pensamento é a palavra, então o pensamento passa a ser uma organização linguística, e o intelecto passa a ser o campo no qual ocorrem organizações linguísticas.
Se descrevemos o pensamento como processo, podemos, já agora, precisar de que tipo de processo se trata: é a articulação de palavras. Essa articulação não necessita de órgãos ou instrumentos para se processar. Esses órgãos e instrumentos podem ser empregados a posteriori para produzir essa articulação secundária que é a língua falada ou escrita. A articulação primária, a língua não expressa, o “falar baixo”, é idêntica à teia dos pensamentos. As regras de acordo com as quais os pensamentos se formulam e se propagam são as regras da língua. “Lógica” e “gramática” passam a ser sinônimos no mesmo sentido no qual o são “conceito” e “palavra”. Se definirmos “língua” como “campo no qual se dão organizações de palavras”, “língua” passa a ser sinônimo de “intelecto”. O estudo do intelecto, estudo da língua que é, passa a ser disciplina rigorosa.
Nesse ponto do argumento é preciso introduzir uma ressalva. Os estudos linguísticos, tais como os conhecemos presentemente, não sabem distinguir entre a língua primária e a secundária, entre a língua pura e a língua expressa, aplicada. Misturam, em consequência, aspectos puros, formais e estruturais da língua com aspectos próprios da língua (40) aplicada. Consideram, por exemplo, a palavra ora como símbolo (aspecto puro), ora como grupo de fonemas (aspecto aplicado). Consideram a história da palavra ora como o conjunto de suas modificações quanto ao significado (aspecto puro), ora como conjunto de suas modificações quanto à sua forma sensível (aspecto aplicado). Tratam de descobrir leis de acordo com as quais as regras gramaticais se desenvolvem (aspecto puro), e tratam de descobrir leis de acordo com as quais se desenvolvem novas formas de palavras (aspecto aplicado). Em consequência, reina uma confusão fundamental nos estudos linguísticos atuais. Embora não seja sempre fácil distinguir entre língua pura e aplicada pela íntima relação que existe entre ambas, essa distinção é sempre possível. Ela precisa ser feita, e o estudo da língua precisa ser dividido de acordo com ela. A parte que se ocupa da língua aplicada precisa ser relegada ao terreno das ciências naturais, e pouco ou nada terá a ver com os problemas do pensamento. A outra parte formará aquilo que Dilthey chamava de “ciência do espírito” (Geisteswissenschaft), com a diferença que será uma ciência despsicologizada. Será uma ciência tão exata ou pouco exata, quanto o são as ciências naturais. Essa ciência da língua pura está, por ora, somente in statu nascendi.