Fink (1966b:236) – o homem joga porque é “mundano”

tradução

Mas o homem é um ente no mundo; é mundano na medida em que é como todas as coisas do universo, e é mundano na medida em que está aberto ao mundo. Mas não é mundano da mesma forma que o próprio mundo, que é uno e único. E, no entanto, certas características do governo do mundo refletem-se no homem e no seu jogo, que adquire assim o significado de um símbolo do mundo. Mas, na medida em que toda a atividade humana é determinada e fundada por motivações significativas, que a vontade humana representa para si mesma, a ação humana do “jogo” está, naturalmente, também envolvida no estilo geral da atividade humana. Mas de uma forma curiosa e surpreendente. A falta de sentido do mundo reflete-se na esfera intramundana do sentido humano de tal modo que, no seio da sua atividade orientada para um objetivo, o homem reserva para si um espaço livre, por assim dizer, onde se torna possível uma atividade sem motivação para a ação, conduzindo ainda mais à prossecução de um objetivo humano. O jogo não está sujeito a um fim para além dele mesmo; tem os seus fins apenas nele mesmo e é, no seu conjunto, como se diz, “inútil”. O jogo humano é um modo em que, no meio da causalidade geral das coisas intramundanas, aparece um impulso de vida que se move sem razão dentro de si mesmo, como um símbolo do governo do mundo. Mas pelo fato de que a “ausência de fundamento” do jogo se instala no meio de ações meta e sentido, que são planificadas e determinadas pelo valor, é preciso que este jogo tenha “fins”, um “sentido”, um “valor” e um “plano” nele mesmo; segue-se também que o jogo só pode ser uma metáfora do mundo no médium da “aparência”. Nenhuma coisa intramundana pode ser realmente semelhante ao cosmos e à sua magnificência; uma coisa só pode ser um símbolo na esfera da aparência, e em particular na esfera em que o mundo se reflete em sua intramundanidade. No jogo humano aparecem os momentos do mundo, mas estes são então estilhaçados, estilhaçados pela dualidade da realidade e da irrealidade que interferem no jogo. O jogo humano é, portanto, um símbolo do mundo. A compreensão humana é permeada de traços da ausência de fundo, de sentido e de meta, e se encontra levada pela leviandade despreocupada, quase onírica, do jogo. É porque estamos abertos ao mundo, e porque esta abertura da existência humana ao mundo implica que o homem saiba que o todo agenciando é desprovido de razão, que somos capazes de jogar. O homem joga porque ele é “mundano”.

Hildenbrand & Lindenberg

[FINK, Eugen. Le jeu comme symbole du monde. Tr. Hans Hildenbrand & Alex Lindenberg. Paris: Minuit, 1966, p. 236]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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