Fink (1966b:235) – O mundo é sem razão

tradução

O mundo é sem razão — mas num sentido muito particular. A não-causalidade do mundo contém a (235) causalidade geral de todos os processos e acontecimentos intramundanos. No mundo, muitas aspirações comportam fins imanentes; na esfera das plantas e dos animais, encontramos múltiplas buscas de estados visados, e na vida humana conhecemos uma multiplicidade de metas perseguidas e fins apaixonadamente desejados, que se unem no objetivo supremo da existência, na eudaimonia. A vida humana parece subordinada a um objetivo final, ao qual estão sujeitos todos os fins individuais e ambições particulares. Há muitos fins em ação no mundo: mas será que o mundo, como um todo, também tem um fim, uma meta, um telos a que aspira? Há interpretações religiosas e até filosóficas que atribuem um fim ao mundo. Mas a enorme importância cosmológica do “niilismo” moderno reside no fato de não só declarar incognoscível o fim total do mundo, como o considerar um disparate. O niilismo atribui ao mundo uma estranha e enigmática inutilidade. O mundo já não é visto como o desdobramento temporal para a revelação de um Deus, nem como o desdobramento de uma razão que ele conteria, nem como a história de um espírito auto-conceituoso; qualquer concepção escatológica é descartada. O mundo é em si mesmo desprovido de qualquer finalidade, e em si mesmo não tem valor; está para além de qualquer estimativa moral, “para além do bem e do mal”. Sem razão e sem fim, sem sentido e sem meta, sem valor e sem projeto, o mundo encerra em si todas as razões de todos os entes intramundanos que têm todos um fundamento, ele engloba na sua inutilidade universal os caminhos pelos quais nos esforçamos por atingir fins e metas. Esse mundo, mesmo sem valor, abarca o ente que se diferencia de muitas maneiras, segundo o grau em força de ser; ele mantém aberto os espaços e os tempos para o ser das coisas, que tem uma razão e um fim, que é pleno de sentido e carregado de valor. Mas é preciso ter a consciência clara e nítida de que a não-causalidade do mundo, a sua falta de objetivo, de fim, de valor e de plano, não pode ser pensada, por exemplo, segundo o modelo de uma coisa intramundana privada de valor. A ausência de razão do mundo não é menos, ela não é inferior ao fato que o ente é fundado, ela é algo de muito mais original. O governo ligado ao mundo da omnipotência se faz sem razão e sem meta, ele é inútil e não tem sentido, é sem valor e sem plano. Eis os traços fundamentais do mundo que se refletem no jogo humano.

Hildenbrand & Lindenberg

[FINK, Eugen. Le jeu comme symbole du monde. Tr. Hans Hildenbrand & Alex Lindenberg. Paris: Minuit, 1966, p. 236]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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