Alcançar os todos da presença (Dasein) na morte é, ao mesmo tempo, perder o ser do pre (das Da). A transição para o não mais ser presença (Dasein) retira a presença (Dasein) da possibilidade de fazer a experiência dessa transição e de compreendê-la como tendo feito essa experiência. Com efeito, o mesmo se pode recusar a cada presença (Dasein), no que concerne a si mesma. A morte dos outros, porém, torna-se tanto mais penetrante, pois o FINDAR da presença (Dasein) é “objetivamente” acessível. Sendo essencialmente ser-com os outros, a presença (Dasein) pode obter uma experiência da morte. Esse dado “objetivo” da morte também deverá possibilitar uma delimitação ontológica da totalidade da presença (Dasein). STMS: §47
Se, no entanto, o “FINDAR”, enquanto morrer, constitui a totalidade da presença (Dasein), o próprio ser da totalidade deve ser concebido como fenômeno existencial de cada presença (Dasein) singular. No “FINDAR” e no ser-todo da presença (Dasein) assim constituído, não se dá nenhuma possibilidade de substituição. O recurso proposto, que toma a morte dos outros como tema sucedâneo para a análise da totalidade, não reconhece esse fato existencial. STMS: §47
Mais adiante, quando da caracterização da passagem da presença (Dasein) para o não mais ser presença (Dasein), enquanto não-mais-ser-no-mundo, mostrar-se-á que, quando a presença (Dasein) sai do mundo, no sentido de morrer, isso não pode ser confundido com o sair-do-mundo na acepção de simplesmente viver. Apreendemos terminologicamente o FINDAR do ser vivo como finar. A diferença só pode tornar-se visível mediante uma delimitação do FINDAR, dotado do caráter de presença (Dasein), frente ao fim de uma vida. Na verdade, também se pode compreender o morrer de modo físico-biológico. O conceito médico de “exitus” não se identifica com o conceito de finar. STMS: §47
Caso a análise de fim e totalidade da presença (Dasein) siga uma orientação de tal porte, isso não pode significar que os conceitos existenciais de fim e totalidade sejam obtidos por via dedutiva. Ao contrário, o que cabe é buscar na própria presença (Dasein) o sentido existencial de seu chegar-ao-fim e mostrar que esse “FINDAR” pode constituir todo o ser desse ente que existe. STMS: §48
O que, na presença (Dasein), constitui a “não-totalidade”, o insistente anteceder-a-si-mesma, não é nem algo pendente numa junção aditiva nem um ainda-não-se-ter-tornado-acessível. É um ainda-não que, enquanto ente que é, cada presença (Dasein) tem de ser. No entanto, a comparação com o não estar maduro do fruto, a despeito de certa concordância, mostra diferenças essenciais. Tomá-las em consideração significa reconhecer o que há de indeterminado em tudo que dissemos, até o momento, sobre fim e FINDAR. STMS: §48
FINDAR não diz necessariamente completar-se. Torna-se assim mais urgente a questão: Em que sentido a morte deve ser concebida como FINDAR da presença (Dasein)? STMS: §48
FINDAR significa, de início, terminar, e isso num sentido ontológico diverso. A chuva acaba. Ela não mais está aí. O caminho termina. Esse FINDAR não faz com que o caminho desapareça. Esse terminar qualifica o caminho como algo simplesmente dado. FINDAR enquanto terminar pode, pois, significar: passar a não ser mais simplesmente dado ou só ser simplesmente dado com o fim. Esse último FINDAR pode, por sua vez, ou determinar um ser simplesmente dado que está inacabado – um caminho em construção está interrompido – ou construir o “acabamento” de um ser simplesmente dado – com a última pincelada, acaba-se o quadro. STMS: §48
Mas o FINDAR, enquanto acabar, não inclui em si a completude. Ao contrário, aquilo que se quer completar deve atingir seu acabamento possível. Completude é um modo derivado de “acabamento”. Este só é possível como determinação de um ser simplesmente dado ou de algo à mão. STMS: §48
No sentido de desaparecer, o FINDAR ainda pode modificar-se segundo o modo de ser de um ente. A chuva findou, ou seja, desapareceu. O pão findou, ou seja, foi consumido, não é mais disponível como algo à mão. STMS: §48
Enquanto fim da presença (Dasein), a morte não se deixa caracterizar adequadamente por nenhum desses modos de FINDAR. Caso se compreendesse o morrer como estar-no-fim, no sentido de um FINDAR nos modos discutidos, supor-se-ia a presença (Dasein) como ser simplesmente dado ou como algo à mão. Na morte, a presença (Dasein) nem se completa, nem simplesmente desaparece, nem acaba e nem pode estar disponível à mão. STMS: §48
Da mesma forma que a presença (Dasein), enquanto é, constantemente já é o seu ainda-não, ela também já é sempre o seu fim. O FINDAR implicado na morte não significa o ser e estar-no-fim da presença (Dasein), mas {CH: a morte como morrer} o seu ser-para-o-fim. A morte é um modo de ser que a presença (Dasein) assume no momento em que é. “Para morrer basta estar vivo”. STMS: §48
Enquanto ser-para-o-fim, o FINDAR reclama um esclarecimento ontológico haurido no modo de ser da presença (Dasein). E, presumivelmente, apenas a partir da determinação existencial do FINDAR é que se fará compreensível a possibilidade do caráter existencial de um modo de ser do ainda-não que se encontra “antes” do “fim”. O esclarecimento existencial do ser-para-o-fim poderá fornecer a base suficiente para se delimitar o sentido possível em que se fala de uma totalidade da presença (Dasein), desde que essa totalidade seja constituída pela morte, entendida como “fim”. STMS: §48
A tentativa de se alcançar uma compreensão da totalidade, dotada do caráter de presença (Dasein), tomando-se como ponto de partida um esclarecimento do ainda-não e passando-se pela caracterização do fim, não conduz para a sua meta. Ela só mostrou negativamente que o ainda-não, que cada presença (Dasein) é, recusa sua interpretação como o pendente. O estar-no-fim se apresenta como uma determinação inadequada do fim para o qual a presença (Dasein) é, em existindo. No entanto, a consideração desenvolvida deveria ter explicitado também a necessidade de reverter seus passos. A caracterização positiva do fenômeno em questão (ainda-não ser, FINDAR, totalidade) só terá êxito em se orientando, de forma precisa, no sentido da constituição ontológica da presença (Dasein). Essa precisão deverá ser assegurada negativamente contra desvios, mediante a compreensão da pertinência regional das estruturas de fim e totalidade que, ontologicamente, sempre resistem à presença (Dasein). STMS: §48
Essa pesquisa ôntico-biológica da morte tem por base uma problemática ontológica. Permanece em questão como a essência da morte se determina a partir da essência ontológica da vida. De certo modo, a investigação ôntica da morte sempre já se decidiu sobre essa questão. Nela atuam conceitos sobre a vida e a morte, mais ou menos esclarecidos. Estes necessitam de um prelineamento através da ontologia da presença (Dasein). No âmbito da ontologia da presença (Dasein), que ordena previamente uma ontologia da vida, a análise existencial da morte subordina-se a uma caracterização da constituição fundamental da presença (Dasein). Chamamos de finar o FINDAR do ser vivo. A presença (Dasein) também “possui” uma morte fisiológica, própria da vida. Embora esta não possa ser isolada onticamente, determinando-se pelo seu modo originário de ser, a presença (Dasein) também pode FINDAR sem propriamente morrer e, por outro lado, enquanto presença (Dasein), não pode simplesmente finar. Chamamos esse fenômeno intermediário de deixar de viver. Morrer, por sua vez, exprime o modo de ser em que a presença (Dasein) é para a sua morte. Assim, pode-se dizer: a presença (Dasein) nunca fina. A presença (Dasein) só pode deixar de viver na medida em que morre. A investigação médico-biológica do deixar de viver logra resultados que, do ponto de vista ontológico, podem também ser relevantes, desde que se tenha assegurado a orientação fundamental para uma interpretação existencial da morte. Ou será que, do ponto de vista médico, até a doença e a morte devem ser concebidas primariamente como fenômenos existenciais? STMS: §49