Figal (2005:145-147) – tonalidade afetiva [Stimmung]

Uma vez que as tonalidades afetivas (Stimmung) tornam manifesta a inacessibilidade do comportamento (Verhalt), elas mostram a “abertura de mundo do ser-aí” (Weltoffenheit des Daseins) (ST, 137). “Abertura de mundo” não pode significar nesse caso que o “ser-aí” está aberto para um mundo ou em vista de um mundo. Se se dissesse isso, então ter-se-ia interpretado o “ser-aí” e o “mundo” segundo o modelo do “sujeito” e do “objeto”. A “abertura de mundo” designa muito mais que é possível se comportar na lida com um ente, e, com isso, tem em vista a abertura do ente mesmo, porquanto ele seja tomado sob o ponto de vista do comportamento possível. Consequentemente, as tonalidades afetivas não são nada além de maneiras diversas de inserção na abertura do ente; elas são experiências da liberdade a ser pensada como “deixar ser”. (…)

Se se compreendem as tonalidades afetivas como o apreender do ente em sua abertura, em meio à qual se tem de assumir um comportamento, ou, dito com a terminologia de Heidegger, como o apreender da facticidade sob o modo do estar jogado no mundo, então está efetivamente fora de questão interpretar tonalidades afetivas como a execução de processos. Tanto mais natural poderia ser agora, porém, atribuir-lhes um caráter passivo e apreendê-las aristotelicamente como πάθη. Além disso, ainda poderíamos nos reportar aí ao fato de Heidegger se referir explicitamente a Aristóteles em suas análises das tonalidades afetivas. A questão é que a apreensão de tonalidades afetivas como estados dos quais padecemos é tão problemática quanto a articulação entre Heidegger e Aristóteles. No que concerne ao primeiro ponto, fala-se em verdade que se “sofre” de depressão ou que se “padece” de tédio; não se diria isso sem mais da euforia ou mesmo da “equanimidade não perturbada” (ST, 134). É possível que se tente explicar um tal estado de coisas com a indicação de que não se tem normalmente nenhum interesse em “reprimir” ou evitar a equanimidade e menos ainda a euforia, de modo que aqui não permanece senão encoberto que sofremos deles. Todavia, essa explicação tem vista curta porque se orienta pelo modo de lidar com tonalidades afetivas e não por essas tonalidades mesmas. Se só podemos falar efetivamente de um “sofrer” em sentido expresso caso haja um fazer correspondente ao (147) sofrimento, então não se pode denominar as tonalidades afetivas um sofrer, uma vez que elas são a apreensão da facticidade. Quem fala, porém, em sofrer, por exemplo, de uma depressão, também não pensa efetivamente em um sofrer no sentido do πάσχειv aristotélico como uma determinação ontológica: ele pensa muito mais que depressões são sentidas como desagradáveis, e, como esse não é o caso em meio ao alto astral, hesita-se aqui em dizer que se está sofrendo dessa tonalidade afetiva. Tudo depende aqui tão-somente da pergunta sobre como é preciso tomar ontologicamente as tonalidades afetivas, e, no que diz respeito à problemática ontológica, Heidegger não assume o esquema aristotélico do ποιεῖν e do πάσχειν em meio à sua interpretação das tonalidades afetivas. Quando Heidegger recorre aos termos “afeto” e “sentimento” para mostrar como “os fenômenos” (ST, 138) que ele quer trazer à tona foram tratados na tradição, ele acaba certamente por deixar na obscuridade a diferença entre a sua própria concepção e a concepção tradicional. Por intermédio de uma comparação entre a análise heideggeriana e a análise aristotélica do temor pode-se deixar claro que, apesar disso, é legítimo interpretar os afetos a partir das tonalidades afetivas.