Fédier (2013:77-79) – com-posição [Gestell]

[…] [Heidegger] chama “das [?Gestell]” ao que está constantemente a trabalhar no coração da nossa técnica. Também neste caso, é muito mais importante compreender a indicação que motiva a escolha desta palavra, do que querer impor um termo num léxico suscetível de o traduzir. André Préau traduziu-a por “arraisonnement”, o que é uma excelente tradução, porque com esta ideia de “trazer de volta à razão pela vontade ou pela força”, “passa” algo do movimento fundamental irresistível inerente ao objetivo tecnicista. Mas isso não nos deve impedir de refletir sobre o assunto; pelo contrário, temos de ir ao ponto de compreender como se processa o “arraisonnement”. E é precisamente isso que a palavra das Gestell diz, e tudo o que ela pede é para falar. Contém a raiz do verbo “[?stellen]”, a raiz indo-europeia -st (h) el -: pôr de pé. Será por acaso que, hoje em dia, as obras de arte contemporânea [77] são designadas pelos seus criadores como “instalações”?

As estelas, caras a Victor Segalen, estão para as instalações na mesma relação que a techne vis-à-vis a técnica 1.

“Das Gestell”, a palavra com que Heidegger procura exprimir o movimento vivo e mutável da nossa técnica, esta palavra fala com toda a clareza. É, à partida, uma palavra da linguagem quotidiana (onde designa toda a espécie de conjuntos obtidos pela junção de elementos destinados a serem estruturados para formar: um quadro, um suporte, um chassis). Mas ela fala por si só pela sua composição. O prefixo ge-, presente em toda a parte nas línguas germânicas, denota um tipo de unidade notável, aquela que resulta do facto de algo se juntar — o quê, neste caso? Bem, o que o radical verbal indica. Como já vimos, a raiz verbal — stell, stellen — denota uma forma muito específica de pôr: pôr na vertical, dispor em relação à verticalidade.

Parece que não dispomos de um termo francês em que este aspecto surja como componente primordial. Mas há uma palavra em que a grande característica importante para Heidegger surge quase por si mesma. É a nossa palavra: “consumo” — desde que, no entanto, a tomemos na direção oposta ao seu significado habitual (o consumo de energia). Se nos concentrarmos no significado forte da palavra “soma”, podemos ouvi-lo dizer: a variedade multifacetada de somas em que a humanidade planetária se encontra agora convocada para não visar nada (a começar por si própria) [78] que não seja a face sumária da totalidade. Estamos claramente no centro da questão assim que vemos o consumo, tal como acabámos de o identificar, como o motor da detenção.

Na sua carta, Jean Beaufret não diz uma palavra sobre esta totalização. Isto porque ele precisa de se colocar uma outra questão: de onde vem a convocação para colocar, para dispor, para instalar, que conduz a técnica como se fosse a sua casa? Temos de ser duplamente cuidadosos, porque perguntar de onde vem — apesar das aparências — não é de modo algum perguntar sobre uma “origem” (esta palavra ainda entendida no sentido habitual). Não se trata de perguntar qual a proveniência da técnica, mas: ser/estar junto a questionar seu acontecimento [Ereignis].

[FÉDIER, François. Entendre Heidegger et autres exercices d’écoute. Paris: Pocket, 2013]
  1. Esta observação, insisto, é feita sem ironia ou segundas intenções. As instalações contemporâneas correspondem simplesmente ao que é a nossa era do mundo, nada mais e nada menos[]