Há uma outra modalidade de existência que implica feitos e gestos, mas estes não estão no centro desta modalidade de existência: é o conhecimento. Recordemos a distinção aristotélica entre θεωρία e πρᾶξις. Na Idade Média, transforma-se em contemplatio — actio. Contemplatio é de facto teoria, mas no sentido religioso, não no sentido do conhecimento. É o que encontramos no nome dado às ordens contemplativas. Uma ordem contemplativa é uma ordem monástica. O clero (o estado eclesiástico cristão) é constituído pelo clero secular, que vive no mundo, “à frente do seu rebanho”, e pelo clero regular, que vive dentro da regra. Este último divide-se em clero contemplativo, como os carmelitas, e clero caritativo, que é uma forma de ação em oposição à contemplação (o [47] verdadeiro mendigo é uma pessoa muito comovente, porque só sabe “pedir caridade”).
[…]Voltemos à palavra “conhecimento”: ela tem o mérito de retirar a θεωρία da visão religiosa que se ouve necessariamente na palavra “contemplação”. Mas a palavra “conhecimento” não dá conta do fato de que θεωρία é uma forma muito específica de conhecimento. A θεωρία é definida em Aristóteles como o face-a-face com o ser (o ser não é Deus). Há, por exemplo, uma teoria da vida quando sou capaz de fazer face a isto que faz a vida. Há vida onde quer que haja conservação (a capacidade de se reconstituir) e reprodução da vida. A cura, por exemplo, é uma capacidade de se reconstituir, de se reproduzir e assim por diante. Aristóteles, que não pensa como nós, isto é, não tem visadas instantaneamente infinitas, diz com toda a calma que, entre os seres vivos, são as espécies que são imortais, porque não perecem como os indivíduos (Sobre a Geração dos Animais, II, 1, 731 b).
[FÉDIER, F. L’humanisme en question: Pour aborder la lecture de la “Lettre sur l’humanisme” de Martin Heidegger. Paris: Les Éditions du Cerf, 2012]