Fédier (2010:166-168) – kairos

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Como é que a temporalidade original pode ser divulgada sob a forma de tempo vulgar? No tempo vulgar, o passado não é mais do que o conjunto dos agoras que não mais são. Deixar de ser não é nada, mas lembrança. A lembrança está, como diz Santo Agostinho, na alma.

Mas o passado autêntico, aquele que é capaz de animar uma repetição, não está apenas na lembrança, mas: em realidade. Para nós, humanos, “em realidade” significa: tal que isso entra em presença. As três ek-stases temporais estão unificadas nesta entrada em presença. Este é o sentido original da temporalidade própria do presente: estar junto de… Em este presente – que já não é temporal de todo no sentido vulgar do termo, manifesta-se o fenômeno concreto do grego kairos: o momento propício. Chantraine ensina-nos que o significado primário de kairos é “o ponto certo que toca a meta”. Kairikos (que é da ordem de kairos) quer dizer: de estação. (…)

Bem se diz também: não é o momento, indicando uma espécie de anti-kairos. Quando é o momento, há um presente autêntico. Aqui vemos claramente como o agora é a revelação do fenômeno.

(…)

Decadência (Verfall) indica uma estrutura existencial do Dasein, o fato de o Dasein não poder permanecer no mesmo lugar. O tempo vulgar decai da temporalidade original. Na própria decadência, que é um fenômeno, o ser humano decai da possibilidade de ser ele mesmo, para (não cair, mas) decair enquanto ditadura do “impessoal” (das Man). O fato de sermos todos atualmente medidos pela bitola do “impessoal” (do a-gente) é nossa decadência, (167) ou nosso lote. A decadência é, como diz Heidegger, um “modo existencial de ser-no-mundo”.

O tempo vulgar é a compreensão por cada um de nós, na medida em que não somos nós mesmos, mas anonimamente “a-gente”, da temporalidade do nosso Dasein. Esquecemo-nos de quem somos. O esquecimento é simplesmente uma modificação do ser-no-passado. O esquecimento é uma relação estranha, mas fundamentalmente real, com o passado. Só posso esquecer algo que tenha sido meu, isto é, algo que para mim tenha estado presente. Mas presente, aqui, não pode ter o significado neutro de agora: só posso esquecer aquilo que me foi um presente (a fulguração da minha relação com o ser).

Original

[FÉDIER, François. Le temps et le monde: de Heidegger à Aristote. Paris: Pocket, 2010]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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