No final de sua vida, Heidegger pronunciou várias vezes a frase “Nur ein Gott kann uns retten” (Somente um deus pode nos salvar).
Pensei sobre o significado dessa frase por um longo tempo. Acho que primeiro devemos observar várias coisas:
1. Um Deus desconhecido, que ainda está por vir.
2. Esse Deus nos salvaria. À primeira vista, outro deus salvador. O que não é possível, se o deus for realmente novo.
3. Portanto, temos que pensar na salvação em outro sentido. Em que sentido? Como “salvar do perigo”. Agora, o perigo, diz Heidegger, é a ameaça do ente sobre o ser. Salvar, portanto, significa salvaguardar o ser.
O novo Deus, longe de ser fundado no ser, ao contrário, o salvaguarda. No debate de Zurique, Heidegger disse: “Aqui (onde se pensa em Deus) são necessárias distinções e delimitações completamente novas”.
Em resumo: mudar o pensamento para responder à novidade de novos deuses.
Ainda mais simples: veja como “Platão e Aristóteles investiram a teologia e, mais particularmente, o Novo Testamento”, em outras palavras, como o discurso sobre o ser do ente subjugou Deus.
Daí o fato de que, para nós, ocidentais, precisamos de uma maneira de pensar sobre o ser para que Deus se manifeste. Sem dúvida, é o destino da Europa que tudo assuma a figura de ser.
O pensamento grego foi acompanhado por deuses gregos. Ao pensamento cristão, o deus cristão. Essa não é uma questão de relações causais. Mas de correspondência.
Pergunta: o que acontece quando se trabalha para virar o pensamento de cabeça para baixo? O que acontece é que já experimentamos a inversão. A falta de Deus ajuda criando um abismo.
O abismo vira tudo de cabeça para baixo.
Por que somente um deus pode nos salvar?
Porque, sem dúvida, a salvação é o próprio desdobramento de Deus, seja qual for o significado gradual da palavra, e possivelmente seus significados contraditórios.
Mas será que o próprio ser não pode salvar? Não. O ser “é” o que deve ser salvo, não o que salva.
Portanto, Heidegger já está pensando nos novos deuses. Hölderlin nomeia sua proximidade excessiva, o que o força a mascará-los.
Pensar em Deus não é pensar nos deuses fugidios, ou melhor, é pensar no desdobramento dos deuses fugidios como desdobramento divino;
não se trata mais de pensar em Deus em termos de criação;
mas pensar em Deus dentro da estrutura de
terra e do céu, mortal e imortal (Geviert).
Que lugar damos à imortalidade em nosso pensamento?
Para salvar: a acepção gradual,
os sentidos contraditórios.
1. Salvar, de agora em diante, parece significar: impedir que nós, como seres humanos, desapareçamos.
Salvar significa salvaguardar o ser humano como tal.
E até mesmo: salvaguardar o ser humano como mortal.
Mas ser mortal não é ter a promessa de um fim. Mas sim: relacionar-se com a própria morte de tal forma que esse relacionamento tenda para a vida.
Entenderemos a salvação nesse sentido elevado e absolutamente ontológico.
2. Nesse sentido, não se trata mais de salvar da perdição (que é uma derivação modal da salvação — lembremo-nos das palavras tônicas de Saint-John Perse “Eu sou salvo do nascimento”) — mas de salvar do não-ser.
3. O deus que Heidegger evoca é realmente desconhecido e novo.
Salvando o homem do não-ser, nenhum deus até hoje se iluminou nesse sentido.
A tentativa de O’Leary de pensar no Deus dos Evangelhos como Espírito é suficientemente ousada? O Espírito é realmente o que nos salva do não-ser? E não apenas da perdição?
Salvar não é mais o antônimo de danar!
O fato é que “salvar do não-ser”, para nós, de agora em diante, exige que saiamos em busca do “sentido” de ser.