No dito do poema [Dichtung], vigora o falar. É o falar da linguagem [Sprache]. A linguagem fala. A linguagem fala deixando vir o chamado, coisa-mundo e mundo-coisa, no entre da di-ferença. O que é assim chamado chega sob a recomendação da di-ferença.
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Para os mortais, falar é evocar pelo nome, é chamar, a partir da simplicidade da di-ferença, coisa e mundo para vir. Na fala dos mortais, o dito do poema é puro chamado. Poesia nunca é propriamente apenas um modo (meios) mais elevado da linguagem cotidiana. Ao contrário. É a fala cotidiana que consiste num poema esquecido e desgastado, que quase não mais ressoa.
O que se opõe ao puramente dito, ao poema, não é a prosa. Prosa em sentido puro nunca é “prosaica”. A prosa é tão poética e, por isso, tão rara como a poesia.
Quando a atenção se volta exclusivamente para a fala humana, quando se toma a fala humana como mera emissão sonora da interioridade humana, quando se considera essa representação da fala como a própria linguagem, a essência da linguagem só consegue manifestar-se como expressão e atividade do homem. Como fala dos mortais, a fala humana nunca repousa, porém, em si mesma. O falar dos mortais repousa na relação com o falar da linguagem.
Com o tempo, torna-se inevitável pensar e refletir sobre como a fala dos mortais e o seu emitir sons acontecem propriamente no falar da linguagem entendido como a consonância do quieto da di-ferença. Todo emitir sons, tanto na língua falada como na escrita, rompe a quietude. Como se rompe a consonância do quieto? Como a quietude consegue, ao se romper, soar em palavra? Como a quietude rompida configura o discurso dos mortais, no discurso que soa em versos e frases?
Admitindo-se que um dia o pensamento consiga responder a essas perguntas, ele deve de todo modo cuidar para não assumir a emissão sonora e a expressão como os elementos paradigmáticos da fala humana.
A articulação da fala humana pode apenas ser o modo (meios) em que o falar da linguagem, a consonância do quieto da di-ferença, apropria os mortais pelo chamado da di-ferença.
Os mortais falam a partir da di-ferença, no sentido da di-ferença, como um corresponder. O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado, pois é como chamado que o quieto da di-ferença evoca o rasgo de coisa e mundo. Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta, como essa escuta.
Os mortais falam à medida que escutam. Os mortais atentam mesmo sem saber à evocação e ao chamado da quietude da di-ferença. A escuta extrai do chamado da di-ferença o que é levado a soar em palavra. A fala que escuta e extrai é uma co-respondência.
Ao extrair o seu dito do chamado da di-ferença, a fala dos mortais já segue a seu modo a sua convocação. Extraindo mediante uma escuta, a correspondência é ao mesmo tempo uma resposta e um reconhecimento. Correspondendo duplamente à linguagem, ou seja, extraindo e respondendo, é que os mortais falam. A palavra dos mortais fala à medida que co-responde, no múltiplo sentido do termo. [GA12]
Falamos e falamos sobre a linguagem. Aquilo de que falamos, a linguagem, já sempre nos precede. Falamos sempre a partir da linguagem. Isso significa que somos sempre ultrapassados pelo que já nos deve ter envolvido e tomado para falarmos a seu respeito. Ou seja, falando sobre a linguagem, estamos sempre constritos a falar da linguagem de forma insuficiente. Essa constrição nos separa daquilo que o pensamento deve dar conta. Mas essa constrição, que o pensamento nunca deve negligenciar, logo se dissipa quando prestamos atenção ao próprio do pensamento, ou seja, quando lançamos um olhar para o campo [Gegend] em que se sustenta o pensamento [Denken]. Por toda parte, esse campo está aberto para a vizinhança da poesia [Dichten].
Pensar o sentido do caminho de pensamento [Denkweg] é pensar com atenção essa vizinhança. [GA12]