No uso lógico do ser (a e b) trata-se da posição da relação entre o sujeito da proposição e o predicado. No uso ôntico do ser – a pedra é (“existe”) -, trata-se da posição da relação entre o eu-sujeito e o objeto, isto, todavia, de tal maneira que a relação sujeito-predicado se intercala, por assim dizer, atravessada entre a relação sujeito-objeto. Isto implica: o “é” da cópula possui, no enunciado de um conhecimento objetivo, um sentido diferente e mais rico que o sentido puramente lógico. Entretanto, mostrar-se-á que Kant chega a esta convicção somente após longa reflexão, formulando-a mesmo apenas na segunda edição da Crítica da Razão Pura. Seis anos após a primeira edição foi ele capaz de dizer qual é a situação do “é”, isto é, do ser. Apenas a Crítica da Razão Pura traz plenitude e determinidade à explicação do ser como posição. A TESE DE KANT SOBRE O SER
No que se refere a esta explicação, Kant descobre “que aqui permanece indeterminado aquilo em que consiste esta relação”. Kant experimenta, na explicação lógica do juízo, a ausência daquilo em que se fundamenta a posição do predicado e sua relação com o sujeito. O sujeito gramatical da proposição somente pode exercer o ato de fundar enquanto objeto para o eu-sujeito que conhece. É por isso que Kant prossegue, abrindo um novo parágrafo no texto: “Mas, se examino mais exatamente a relação que existe entre conhecimentos dados em cada juízo e se os distingo, enquanto pertencem ao entendimento, da relação que se estabelece pelas leis da imaginação reprodutiva (a qual [relação] tem apenas validade subjetiva), então descubro que um juízo não é outra coisa que a maneira de levar conhecimentos dados à unidade objetiva da apercepção. O papel que representa a palavrinha relacional é, nestes juízos, é distinguir a unidade objetiva das representações dadas, de sua unidade subjetiva”. A TESE DE KANT SOBRE O SER
E o que significa este “após ela” no texto? Não quer dizer que toda lógica tem em si mesma prioridade sobre a filosofia transcendental, mas quer dizer: somente e apenas quando toda a lógica está inserida no lugar da apercepção transcendental, pode atuar no interior da ontologia crítica, vinculada com o dado da intuição sensível, e atuar como fio condutor da determinação dos conceitos (categorias) e dos princípios do ser do ente. A situação é esta porque o “primeiro conhecimento puro do entendimento” (quer dizer, a adequada caracterização do ser do ente) é “o princípio da unidade originária sintética da apercepção” (§ 17, B 137). De acordo com isto, este princípio é um princípio de unificação, e a “unidade” não é uma simples justaposição, mas è elemento que unifica e reúne, logos no sentido primordial, ainda que transferido e mudado para o eu-sujeito. Este logos tem em seu poder “a lógica inteira”. A TESE DE KANT SOBRE O SER
Permita-se-nos afirmar aqui que procedemos muito bem, a compreender as palavras “ob-stante” e “ob-jeto”, na linguagem de Kant, literalmente, na medida em que nelas se recorda a relação com o eu-sujeito pensante, relação da qual o ser como posição recebe seu sentido. A TESE DE KANT SOBRE O SER
O pensamento deve perguntar: Que quer, pois, dizer ser quando se deixa determinar a partir da representação enquanto posição e caráter de ser posto? Esta é uma questão que Kant não mais levanta, tampouco as que seguem: Que significa, pois, ser se a posição se deixa determinar pela estrutura de forma e matéria? Que significa, pois, ser se, na determinação do caráter de ser posto do que foi posto, esta surge na dupla forma do sujeito, de um lado, como sujeito da proposição em sua relação com o predicado, de outro lado, como eu-sujeito na relação com o objeto? Que resignifica, pois, ser se se torna determinável a partir do subiectum, isto é, do hypokéimenon no grego? Este é aquilo que, já de antemão, jaz aí, porque é o constantemente presente. Pelo fato de ser ser determinado como presença, é o ente o que jaz hypokéimenon. A relação com o ente consiste no deixar que algo esteja aí enquanto maneira de pôr, ponere. Nisto está implícita a possibilidade do pôr e colocar. Porque ser se ilumina como presença, pode a relação com o ente, enquanto o que está aí, transformar-se em pôr, colocar, representar e propor. Na tese de Kant sobre o ser como posição, mas também em todo o âmbito de sua interpretação do ser do ente como objetividade e realidade objetiva, impera o ser no sentido da presença que dura. A TESE DE KANT SOBRE O SER