Ernildo Stein (2012b:130-131) – Dasein importa-se consigo mesmo

(…) Heidegger tem duas frases que percorrem Ser e tempo e voltam de várias formas em diversos trechos. Em uma (131) delas ele diz o seguinte: “O Dasein é o ente que, na sua condição de ser ente, tem a si mesmo como importante, isto é, ele importa-se consigo mesmo”. Já a outra frase diz que o poder-ser o ser-para-a-morte, isto é, a finitude da temporalidade do Dasein, é a razão escondida da historicidade (Geschichtlichkeit) do Dasein. O Dasein é um ser cuja temporalidade tem um “fim” — no sentido de autocompreender-se como tendo um fim. Então, este importar-se consigo mesmo, de um lado, e, de outro lado, esse ser-para-a-morte, é o que está por baixo da categoria da historicidade. Existem alguns textos contemporâneos de autores ingleses que retomam análises, até bastante similares a Heidegger e a Sartre, em que se acentuam essas sutis marcas que o ser humano tem, nas quais ele se importa consigo e, em certo sentido, que é até mesmo necessário ter um peso para ele entender como importante para si mesmo. Ou seja, ele precisa perceber esse peso desde si. No fundo, isto é aquilo que eu repetia: o Dasein tem-se como tarefa, ele tem que ser (Zu-sein).

Nós, em geral, diluímos esse ter-que-ser nas éticas, nas morais ou nos estilos de comportamento elaborados ao longo da História, ao invés de inverter a operação, quer dizer, de perceber que todos esses sistemas normativos surgem por causa do ter-que-ser e, nesse sentido, buscam dar-lhe uma espécie de consistência, coagulando-o em instituições, organizações diversas, etc. Todo o processo da educação, por exemplo, é realizado em razão desta coagulação do ter-que-ser, que visa a uma espécie de previsibilidade da historicidade do Dasein. Assim, julgamos o ser humano dentro da História do mundo, catalogando-o e dividindo-o como um objeto científico. Ora, os projetos terapêuticos e as ciências da alma não têm a possibilidade desse mapeamento, dessa medição. Por isso elas, de certo modo, estão no lugar mais incômodo para constituir uma dimensão especificamente científica enquanto Ciências Humanas, tendo em vista que esse ter-que-ser leva-nos a situar o ser humano em determinado contexto devido ao seu caráter de historicidade.

(STEIN, Ernildo. Analítica Existencial e Psicanálise. FreudBinswangerLacan — Boss. Ijuí: Editora Unijuí, 2012b)