Ernildo Stein (2003:36-37) – transcendência do ser do Dasein

É a partir do ser-em que se estabelece a receptividade e a espontaneidade da experiência que, no desenvolvimento da analítica existencial, são apresentadas como sentimento de situação (afecção — Befindlichkeit) e compreensão (entendimento — Verstehen). É assim que o ser-em do ser-no-mundo torna-se o momento indepassável, o transcendente à consciência que funda o conhecimento. Mas esse fundar não é mais fundamento como na metafísica, que dissocia o fundante do fundado e dá ao primeiro um caráter a priori, de primeiro, de originário, de presença constante.

Assim, tanto o objetivismo como o idealismo transcendental da tradição metafísica podem ser criticados e superados. Mas isso somente pode ser realizado a partir do conceito de cuidado (Sorge) que é o ser do ser-aí (Dasein) e da temporalidade (Zeitlichkeit) que é o sentido do ser do ser-aí. A tríplice estrutura do cuidado: ser-adiante-de-si-mesmo já-ser-em, junto-das-coisas tem como determinantes os êxtases — futuro-passado-presente — que são o modo como o ser-aí se compreende, tem seu sentido.

O ser-aí se compreende desde o futuro, o ser-adiante-de-si-mesmo, que é já no presente o que traz o limite do poder-ser, a possibilidade do ser-para-a-morte. Essa possibilidade não é mais o que se opõe (37) simplesmente à categoria da objetividade. Ela é o existencial que nos permite pensar a partir da compreensão, o modo de “fundamentação” pela circularidade. A possibilidade existencial vem substituir a constante presença do “eu penso” de Kant ou do “ser” da tradição.

Temos, assim, uma nova condição de possibilidade, desconhecida do modo de fundar da tradição. É por isso que Heidegger afirma, nas páginas ainda introdutórias de Ser e tempo: “Acima da efetividade está a possibilidade“. Mas esta possibilidade não é mais uma modalidade, ela é um existencial. Se como diz Heidegger “Ser é o transcendens como tal”, ele mesmo conclui que “cada explicitação do ser como transcendens é conhecimento transcendental” (1949b, p. 38).

Esse transcendental, no entanto, não é nem o transcendental do realismo objetivista, nem do idealismo transcendental, mas se liga à “transcendência do ser do Dasein que é muito particular”.

Sem entrarmos em mais detalhes podemos dizer que esse “ser do Dasein” já remete ao cuidado (Sorge) com sua tríplice estrutura e à temporalidade (Zeitlichkeit) como sentido do ser do cuidado. Trata-se, portanto, de uma transcendentalidade de caráter existencial. Esse conhecimento existencial é o da compreensão do ser que já sempre é operado em qualquer conhecimento do ente.