Dubois (2000:82-83) – antecipação (Vorläufigkeit)

(Dubois2000)

“Até que ponto a resolução, se ‘pensada até o fim’ (zu Ende gedacht) de acordo com sua tendência mais própria, conduz ao ser-para-a-morte próprio?” (305). Essa é a questão abordada no difícil §62 (talvez o mais abrupto de todo Ser e Tempo). Lembremo-nos: o ser-para-a-morte foi conquistado ao longo da questão da totalidade possível do Dasein. Durante essa análise, projetou-se uma possibilidade existencial para o Dasein de estar em uma relação própria com sua morte. Mas nada ainda surgia para certificar existencialmente essa possibilidade. Poderia ser uma pura construção do pensador. A consciência foi, de certa forma, abordada em um movimento inverso: tratava-se de atestar, desta vez, o possível ser próprio existencial. Do Dasein sendo, surge a exigência de uma apropriação de si, e como? A resposta foi a análise da consciência, análise que não se limitou a esse nível existencial, mas, uma vez assegurado, explorou existencialmente o fenômeno da consciência. Em outras palavras, o que permanece pendente, além da possível conexão entre os dois fenômenos (antecipação e resolução), é a “efetividade” do ser-para-a-morte próprio. É justamente a precisão da conexão essencial entre esses dois fenômenos que vai atestar essa efetividade.

O argumento geral que busca mostrar que a resolução chama por si mesma a antecipação é que a resolução, como assunção do ser-em-falta, abre o Dasein como constantemente (ständig) em falta. Ora, essa constância implica o olhar sobre a totalidade do Dasein – mas esse [83] “olhar” só é possível como ser-para-a-morte próprio. O argumento geral é muito formal, e por isso Heidegger vai expor sete traços da resolução que chamam por si mesmos a resolução para sua “modalização” como ser-para-a-morte próprio. A resolução, como poder-ser, como abertura da negatividade do Dasein, como revelação de sua perda no Impessoal (das Man), como isolamento, como constância do ser-em-falta, como verdade da existência, como verdade que se mede pela indeterminação da existência determinada na resolução, precisa, para se realizar em cada um de seus traços, do ser-para-a-morte próprio. Consciência e mortalidade estão, portanto, unidas no cuidado: a consciência é consciência de um mortal, o mortal se intimida a consciência de si mesmo como mortal. A resolução é antecipadora. Por isso, como a resolução é a atestação existencial da propriedade do Dasein (cujo sentido existencial desvendamos), o ser-para-a-morte (projetado existencialmente) recebe sua concretização existencial. Poder ser um todo e poder ser em próprio se encontram. No fenômeno da resolução antecipadora, o Dasein se mantém em sua verdade, sua propriedade e sua originariedade, abrindo-se a si mesmo total e propriamente. Essa abertura é a “finitização”1 plena (a “finitude” não só não é um “estado fixo”, mas é um fenômeno complexo), que se realiza sempre como finitude do ser-no-mundo pleno.

 

 

  1. « Finitisation » (Verendlichung) sera avancé par Heidegger pour mieux caractériser la « finité » dans Kant et le Problème de la métaphysique (GA 3, p. 217, trad. fr. p. 273).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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