1. Explicitude. Os pensadores ocidentais, de Sócrates a Kant e a Jürgen Habermas, presumiram que conhecemos e agimos por meio da aplicação de princípios e concluíram que devemos ter clareza sobre essas pressuposições para que possamos obter um controle esclarecido de nossas vidas. Heidegger questiona tanto a possibilidade quanto a conveniência de tornar nossa compreensão cotidiana totalmente explícita. Ele apresenta a ideia de que as habilidades, as discriminações e as práticas cotidianas compartilhadas, nas quais somos socializados, fornecem as condições necessárias para que as pessoas escolham objetos, compreendam-se como sujeitos e, de modo geral, deem sentido ao mundo e às suas vidas. Em seguida, ele argumenta que essas práticas só podem funcionar se permanecerem em segundo plano. A reflexão crítica é necessária em algumas situações em que nossa maneira comum de lidar com a situação é insuficiente, mas essa reflexão não pode e não deve desempenhar o papel central que tem desempenhado na tradição filosófica. Se todos tivessem clareza sobre nossas “pressuposições”, nossas ações careceriam de seriedade. Como Heidegger diz em um trabalho posterior, “Toda decisão… baseia-se em algo não dominado, algo oculto, confuso; caso contrário, nunca seria uma decisão.”1 Assim, o que é mais importante e significativo em nossas vidas não é e não deve ser acessível à reflexão crítica. A reflexão crítica pressupõe algo que não pode ser totalmente articulado.
Heidegger chama esse pano de fundo não explicável que nos permite dar sentido às coisas de “compreensão do ser” (Seinsverständnis). Seu método hermenêutico é uma alternativa à tradição da reflexão crítica, pois busca apontar e descrever nossa compreensão do ser a partir dessa compreensão, sem tentar tornar teoricamente clara nossa compreensão dos entes. Heidegger aponta como as práticas de fundo funcionam em todos os aspectos de nossas vidas: encontrar objetos e pessoas, usar a linguagem, fazer ciência, etc. Mas ele só pode apontar as práticas de fundo e como elas funcionam para as pessoas que já as compartilham — que, como ele diria, habitam nelas. Ele não pode explicitar essas práticas de forma tão definida e livre de contexto que elas possam ser comunicadas a qualquer ser racional ou representadas em um computador. Nos termos de Heidegger, isso significa que é preciso sempre fazer hermenêutica de dentro de um círculo hermenêutico.
[DREYFUS, Hubert L. Being-in-the-World: A Commentary on Heidegger’s Being and Time, Division I. Massachusetts: The MIT Press, 1991]