Didier Franck (1998:247-250) – desumanização

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Determinar como e em que medida é possível possuir a verdade num corpo, determinar o que o corpo deve ser para se abrir a verdades cuja incorporação era até então impossível, criar um corpo de potência superior, é então e sobretudo uma tentativa de acceder a esse grande pensamento a que, desde agosto de 1881, Nietzsche não cessa de se expor. De fato, a questão do potencial do corpo para o conhecimento e a incorporação da verdade aparece pela primeira vez no longo aditamento intitulado Filosofia da Indiferença, que se segue à primeira nota dedicada ao Eterno Retorno. O que significa este título e o que é que se entende aqui por “indiferença”? Longe de ter apenas um sentido negativo ou privativo, a indiferença consiste positivamente em ver as coisas como elas são. “Indiferença! Uma coisa não nos diz respeito, podemos pensar o que quisermos sobre ela, não há nada nela que seja útil ou prejudicial para nós — é um fundamento do espírito científico.” (8) Como é que conseguimos isto? Esforçando-nos por ver “com outros olhos”: praticando a visão sem referência humana, tal como ela é! Curar a megalomania humana! De onde é que ela vem? Do medo. A indiferença assim entendida é a razão alta e corajosa que nos preserva da “loucura fundamental” (9) de tomar o homem como a única medida de todas as coisas, e a humanidade demasiado humana como a única possibilidade do “seu” ser. Isto não se consegue simplesmente variando as perspectivas humanas, que são sempre demasiado humanas, mas exclusivamente “formando novos seres” (10). Ser indiferente é renunciar à estupidez, que nunca é mais do que um estreitamento de perspectiva (11), uma anulação de perspectivas em favor de uma perspectiva; é ver com outros olhos, desde que este adjetivo marque também uma diferença de essência; é, portanto, abrir caminho ao sobre-humano através de uma desumanização do conhecimento.

original

  1. Le gai savoir, § 110.[↩]
  2. Id.[↩]
  3. Ecce Homo, Avant-propos, § 3 ; cf. 1884, 26 (50), 1885, 35 (69), 1885-1886, 1 (200), 1887, 10 (3), 1888, 16 (32) et Par-delà bien et mal, § 39.[↩]
  4. 1888, 14 (8).[↩]
  5. 1884, 25 (305). En 1880, au terme d’une note examinant les conditions nécessaires à l’épanouissement de l’individu, Nietzsche concluait : « peut-être l’humanité DOIT-elle périr de la morale » : 1880, 6 (153). Cf. 1876-1877, 23 (82) et Aurore, § 45, § 429, § 501.[↩]
  6. 1884, 27 (23). Humanité s’oppose ici à surhumanité, cf. 1884, 26 (232).[↩]
  7. 1884, 25 (305).[↩]
  8. 1881, 11 (110).[↩]
  9. 1881, 11 (10), où « tel quel » traduit sachlich ; cf. La généalogie de la morale, III, § 12 in fine.[↩]
  10. Cette expression est la dernière d’une note qui commence par ces mots : « Tâche : voir les choses telles qu’elles sont ! » ; 1881, 11 (65) ; cf. 1881, 13 (5).[↩]
  11. Cf. Par-delà bien et mal, § 188.[↩]
  12. 1881, 11 (141) ; cf. Le gai savoir, § 110, dont l’ensemble de cette addition est une esquisse.[↩]
  13. 1882-1883, 6 (1) ; cf. 1885, 40 (65) et 41 (9), où Nietzsche fait le récit de cette expérience qui conduit à « une sorte de liberté d’oiseau, à une sorte de regard panoramique d’oiseau », ainsi que 1887-1888, 11 (30).[↩]
  14. 1883, 8 (3).[↩]

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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