Derrida (Monolinguismo) – O monolinguismo mora em mim e moro nele

destaque

— Imagine alguém que cultivasse o francês.

Isto que se chama francês.

E que o francês cultivaria.

E que, sendo um cidadão francês, seria, portanto, um sujeito, como dizemos, da cultura francesa.

E um dia esse sujeito da cultura francesa viria até você e diria, por exemplo, em bom francês:

“Só tenho uma língua, não é a minha”.

E de novo, ou ainda:

“Sou monolíngue. Meu monolinguismo reside, e eu o chamo de meu lar, e o sinto como tal, fico nele e moro nele. Ele mora em mim. O monolinguismo, no qual até respiro, mesmo, é para mim o elemento. Não um elemento natural, não a transparência do éter, mas um meio absoluto. Insuperável, incontestável: não posso recusá-lo senão atestando sua onipresença em mim. Ele sempre me precedeu. É eu. Para mim, este monolinguismo sou eu. Isto não significa, especialmente, não pense, que eu seja uma figura alegórica desse animal ou dessa verdade, o monolinguismo. Mas eu não seria eu mesmo sem ele. Ele me constitui, ele me dita a própria ipseidade de tudo, ele me prescreve, também, uma solidão monacal, como se votos tivessem me atado antes mesmo de eu aprender a falar. Este solipsismo inesgotável é eu antes de mim. Para sempre.

Mas essa língua, a única que estou condenado a falar, nunca será minha, enquanto eu for capaz de falá-la, para a vida ou para a morte, essa única língua, veja bem, nunca será minha. Na verdade, ela nunca foi.

Assim, você vê a origem do meu sofrimento, já que essa língua o atravessa, e o lugar de minhas paixões, meus desejos, minhas orações, a vocação de minhas esperanças. Mas estou enganado, estou enganado ao falar sobre travessia e lugar. Pois é à beira do francês, sozinho, nem dentro nem fora dele, na linha indetectável de sua costa que, desde tempos imemoriais, sempre me perguntei se é possível amar, desfrutar, rezar, morrer de dor ou morrer em outro idioma ou sem contar a ninguém, sem sequer falar.

original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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