De certa maneira, as questões éticas sempre estiveram aí, mas se alguém entende por ética um sistema de regras, de padrões morais, então não, não estou propondo uma ética. O que me interessa são, de fato, as aporias da ética, seus limites, especialmente em torno das questões de dom, perdão, segredo, testemunho, hospitalidade, vivente – animal ou não. Tudo isso implica uma reflexão sobre a decisão: a decisão responsável deve durar e não apenas atravessar ou ultrapassar uma experiência do indecidível. Se eu sei isto que devo fazer, não tomo uma decisão, aplico conhecimento, implanto um programa. Para que haja uma decisão, é preciso que não saiba o que fazer. Isso não significa que temos que desistir de saber: temos que ser informados, saber o máximo possível. O fato é que o momento da decisão, o momento ético, se você preferir, é independente do conhecimento. É no momento de “não sei qual é a boa regra” que surge a questão ética. Então, o que me ocupa é esse momento in-ético da ética, esse momento em que não sei o que fazer, onde não tenho padrões disponíveis, onde não devo ter padrões disponíveis, mas onde eu preciso agir, assumir minhas responsabilidades, tomar partido. Urgentemente, sem esperar. O que eu faço é então tanto in-ético quanto ético. Questiono a impossibilidade como possibilidade da ética: a hospitalidade incondicional é impossível, no campo do direito ou da política, da ética, mesmo em sentido estrito. No entanto, é isso que deve ser feito, o im-possível; se o perdão é possível, deve perdoar o imperdoável, quer dizes, fazer o impossível. Fazer o impossível não pode ser uma ética, e, todavia, é a condição da ética. Eu tento pensar a possibilidade do impossível.
Excerto traduzido de entrevista concedida ao periódico [L’Humanité, 28 de janeiro de 2004->https://www.humanite.fr/node/299140].