Derrida: momento de decisão = momento ético

De certa maneira, as questões éticas sempre estiveram aí, mas se alguém entende por ética um sistema de regras, de padrões morais, então não, não estou propondo uma ética. O que me interessa são, de fato, as aporias da ética, seus limites, especialmente em torno das questões de dom, perdão, segredo, testemunho, hospitalidade, vivente – animal ou não. Tudo isso implica uma reflexão sobre a decisão: a decisão responsável deve durar e não apenas atravessar ou ultrapassar uma experiência do indecidível. Se eu sei isto que devo fazer, não tomo uma decisão, aplico conhecimento, implanto um programa. Para que haja uma decisão, é preciso que não saiba o que fazer. Isso não significa que temos que desistir de saber: temos que ser informados, saber o máximo possível. O fato é que o momento da decisão, o momento ético, se você preferir, é independente do conhecimento. É no momento de “não sei qual é a boa regra” que surge a questão ética. Então, o que me ocupa é esse momento in-ético da ética, esse momento em que não sei o que fazer, onde não tenho padrões disponíveis, onde não devo ter padrões disponíveis, mas onde eu preciso agir, assumir minhas responsabilidades, tomar partido. Urgentemente, sem esperar. O que eu faço é então tanto in-ético quanto ético. Questiono a impossibilidade como possibilidade da ética: a hospitalidade incondicional é impossível, no campo do direito ou da política, da ética, mesmo em sentido estrito. No entanto, é isso que deve ser feito, o im-possível; se o perdão é possível, deve perdoar o imperdoável, quer dizes, fazer o impossível. Fazer o impossível não pode ser uma ética, e, todavia, é a condição da ética. Eu tento pensar a possibilidade do impossível.

Excerto traduzido de entrevista concedida ao periódico [L’Humanité, 28 de janeiro de 2004->https://www.humanite.fr/node/299140].