Depraz (1992:5-6) – intencionalidade

(Depraz1992)

“A palavra intencionalidade não significa nada além dessa particularidade fundamental e geral que a consciência tem de ser consciência de algo (…)1.” Com essa tomada de consciência, Husserl avança em direção à formulação de uma nova filosofia. A intencionalidade é essa operação que leva a consciência em direção ao seu objeto, o qual, a partir de então, surge literalmente como sentido para ela. A visada intencional da consciência é o que anula a própria ideia de uma oposição entre sujeito e objeto, onde esses dois polos seriam exteriores um ao outro e existiriam de forma independente.

A consciência é consciência de algo. Isso significa: a consciência está aberta para algo além de si mesma e se torna ela mesma ao se impregnar desse outro. Simultaneamente, essa coisa que é visada (percebida) pela consciência só adquire existência sob o olhar dela: a intencionalidade é essa troca interativa contínua entre a consciência e o mundo, por meio da qual este último ganha sentido para a consciência, e a consciência para o mundo.

Eu olho para os galhos de uma árvore pela janela. Certamente, mesmo que eu não olhasse para esses galhos, eles continuariam, por exemplo, a se curvar sob o peso dos frutos: há, portanto, uma objetividade dos galhos, que existem de fato independentemente de mim e do meu olhar. No entanto, enquanto eu não dirijo meu olhar para eles, os galhos não existem para mim, eles só existem em si mesmos. Assim, para o fenomenólogo, o nível de ser do objeto “galho” como realidade em si, puramente objetiva, ou seja, sem qualquer intervenção de um sujeito, é apenas a dimensão mais básica e pobre do galho. Assim que ele é apreendido por um sujeito, ele aparece sob meu olhar e adquire um nível de ser mais complexo. No entanto, é [5] apenas quando o galho me aparece, mas tal como ele é em si mesmo, ou seja, quando os dois primeiros níveis de ser, objetivo e subjetivo, estão unidos, que ele surge como propriamente fenomenológico. Na fenomenologia, o ser equivale ao aparecer: só é o que aparece, e a noção de aparição, longe de se reduzir à aparência ilusória, equivale ao próprio ser. A fenomenologia, caracterizando-se como um retorno às coisas mesmas, apresenta-se como a descrição de todas as coisas que me aparecem, não de maneira simplesmente subjetiva, mas sim como elas são em si mesmas: essa aparição para mim daquilo que é tal como é se chama fenômeno e é o objeto da fenomenologia.

É essa aquisição fundamental da intencionalidade que constitui a primeira pedra do edifício da fenomenologia, estabelecida especialmente nas Idéias Diretrizes para uma Fenomenologia e uma Filosofia Fenomenológica Pura, sob a expressão de “correlação intencional” ou “correlação noético-noemática”.

  1. Méditations Cartésiennes, Paris, Colin, 1931, trad. fr. E. Lévinas et G. Pfeiffer, Éd. Vrin, 1947, § 14, p. 28.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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