Ser e Tempo é a tentativa de uma interpretação do ser em direção ao horizonte transcendental tempo. Que significa aqui “transcendental”? Não a objetividade de um objeto da experiência enquanto constituído na consciência, mas o âmbito do projeto, descoberto a partir da clareira do ser-aí (Lichtung), para a determinação do ser, quer dizer, do presentar como tal. Na conferência Tempo e Ser é recuperado ao âmbito de uma relação mais originária o sentido do tempo, até então impensado, e que se esconde no ser como presentar. Falar de algo mais originário pode gerar aqui facilmente um mal-entendido. Mas mesmo que deixemos por ora não decidido como deve ser compreendido o mais originário, e isto quer dizer, como não deve ser entendido, fica, contudo, de pé o fato de que o pensamento – e na verdade tanto na conferência mesma como em todo o caminho de Heidegger – possui o caráter de um retorno. Isto é o passo de volta. Deve-se prestar atenção à plurivocidade da expressão. Necessário torna-se o exame do para onde e do como, quando se fala de “de volta”. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
A explicitação do tempo tem primeiro em vista o caráter de temporalização da temporalidade do ser-aí, para o elemento estático, que em si já contém – sem que este estado se coisas seja expressamente nomeado na parte de Ser e Tempo que alcançou publicação (vide Ser e Tempo, § 28) – uma indicação em direção da verdade, da clareira, do desvelamento do ser enquanto ser. Já em Ser e Tempo, portanto – ainda que aí a explicação do tempo permaneça limitada à temporalidade do ser-aí, e ainda nada se fale do caráter temporal do ser (enquanto na conferência Tempo e Ser o papel do ser humano para a clareira do ser (Lichtung) é intencionalmente silenciado) -, é o tempo, pela referência à aletheia e ao presentar, tirado da compreensão ordinária, desde o início, e recebeu um sentido novo. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
O esquecimento do ser que se mostra como um não-pensar na verdade do ser pode ser facilmente interpretado como uma negligência do pensamento em voga até hoje e, portanto, mal-entendido; ou ser, em todo caso, interpretado como algo a que se pode pôr um fim, assumindo de maneira expressa e realizando a questão do sentido, quer dizer, da verdade do ser. O pensamento heideggeriano poderia ser compreendido – e Ser e Tempo parece sugeri-lo ainda – como a preparação e a abertura do fundamento em que residiu a base de toda metafísica inacessível a ela própria, de maneira que assim o esquecimento do ser até agora reinante possa ser suprimido e extinto. Entretanto, para a compreensão correta, importa aceitar que o não-pensar, até agora imperante, não é resultado de uma negligência, mas que deve ser pensado como consequência do velar-se do ser. O velamento do ser faz parte – como sua privação – da clareira do ser (Lichtung). O esquecimento do ser, que constitui a essência da metafísica e que se tornou o elemento propulsor para Ser e Tempo, faz parte do próprio modo de acontecer o ser. Com isto se impõe a um pensamento que pensa o ser a tarefa de pensar o ser tal maneira que o esquecimento do ser dela faça parte essencial. MHeidegger: PROTOCOLO DO SEMINÁRIO SOBRE A CONFERÊNCIA “TEMPO E SER”
A metafísica se tranca ao dado Essencial simples, de que o homem só vige em sua Essência, enquanto é interpelado pelo Ser. unicamente a partir dessa interpelação ele “encontrou” onde mora sua Essência. Somente a partir desse morar, “tem” ele “linguagem”, como a morada, que pre-serva o ec-stático para sua Essência. Chamo ec-sistência do homem o estar na clareira do Ser (Lichtung). Esse modo de ser só é próprio do homem. Assim entendida, a ec-sistência não é apenas o fundamento de possibilidade da razão, ratio. É também onde a Essência do homem con-serva a proveniência de sua determinação. [CartaH]