É óbvio que este pensamento do tempo a partir da temporalidade do Dasein subverte completamente as representações atuais — que podemos medir novamente graças a uma frase do § 74 onde Heidegger elabora a “constituição fundamental da historicidade” onde lemos que: “A história como modo de ser do Dasein está essencialmente enraizada no a-vir…”. (ÊT, 386). Na conferência sobre O Conceito de Tempo, ele já havia dito, sublinhando o ponto:
A possibilidade de acesso à história funda-se na possibilidade segundo a qual um presente tem cada vez uma compreensão de si mesmo como ente a vir. Esta é a primeira proposição de toda a hermenêutica [GA64, 123; Cahier de l’Herne Heidegger, p. 51].
Se a ciência histórica deve ter um sentido que não seja o de antiquário (Nietzsche), é porque ela se enraíza nesta história que é antes de mais o Dasein como possibilidade, de modo que um povo que não tem história não é um povo que não escreve, mas um povo que não tem a-vir. — Na tradição judaica, que não pensa o tempo em termos de metafísica, a cronologia é assim virada do avesso. Num belo parágrafo sobre a historicidade no universo hebraico, André Neher escreve em L’Exil de la parole. Do silêncio bíblico ao silêncio de Auschwitz :
A grande afirmação judaica é que o omega não é nem o fim, nem o centro, nem o ponto de viragem decisivo. A última letra do alfabeto hebraico é o tav, o índice do futuro da segunda pessoa, logo apreensão do homem desafiado para um a-vir infinitamente aberto [p. 247].
Em Les Symboles du judaïsme, Marc-Alain Ouaknin escreve estas esclarecedoras linhas introdutórias:
A memória do mito, que constitui a base da identidade do grupo, torna-se, através do Midrash, uma memória dinâmica, mais orientada para o futuro do que para o passado. O Midrash é a renovação contínua do mito, por outras palavras, a renovação contínua das forças existenciais que sustentam os seres humanos e lhes permitem inventar algo novo para além de si próprios. O Midrash é a “memória do futuro” [p. 9]. (LDMH)