Chambon (1990:25-27) – conhecimento, modo deficiente de ser-no-mundo

(…) O.F. Bollnow desenvolve a relação das tonalidades com a realidade e, portanto, sua forma de “objetividade”, em passagens dedicadas à sua ligação com o conhecimento. “… os diferentes estados de tonalidade afetiva implicam, respectivamente, em diferentes possibilidades de conhecimento” (31). A relação do conhecimento com seu fundamento afetivo sugere uma comparação com a filosofia de Heidegger.

O.F. Bollnow critica a unilateralidade de sua perspectiva, segundo a qual o conhecimento é um modo deficiente de ser-no-mundo, caracterizado pela preocupação prática. A preocupação prática é entendida como a única relação primitiva e fundamental do homem com as coisas. O conhecimento, identificado com sua forma teórica, é um modo derivado. Seu termo, o “Vorhandene”, é tanto o objeto puro proposto à investigação teórica quanto o puro dado como resíduo da dimensão prática. Estando o homem no mundo antes de propor sua dominação teórica, a única experiência primitiva possível da existência é a de um “Zuhandene”, o objeto da preocupação prática. O.F. Bollnow faz a seguinte pergunta em resposta a essa concepção, na qual o conhecimento é visto como pura objetivação: “Na presença dessa concepção, nos perguntamos se não há, ao mesmo tempo, outra atitude possível, que se libertaria, em um sentido criativo, dessa redução à pura utilidade, e que então tornaria possível ver as coisas em si mesmas integralmente” (32). Ver as coisas em si mesmas integralmente: uma fórmula essencial, que evoca a relação do homem com o que existe em si mesmo, independentemente dele, em um conhecimento gratuito e contemplativo. O pragmatismo expressa um ponto de vista no qual as coisas, vistas apenas em termos de sua utilidade e inutilidade, são “reduzidas ao que são para o homem” (33). O significado profundo dessa crítica é, em nossa opinião, a superação da interpretação transcendental segundo a qual Heidegger considera o ser revelado do ente como relativo ao homem. O pragmatismo de sua filosofia é a consequência. Está ligado à tonalidade afetiva da angústia, que é exemplar entre as tonalidades depressivas. A consideração reduzida ao útil e às necessidades do homem expressa uma incapacidade de se abrir para o próprio ser das coisas e um egocentrismo resultante do abandono provocado pela hostilidade e estranheza do mundo. O homem discerne apenas a si mesmo, porque não é mais sustentado pelo mundo e se vê obrigado a tirar sua existência dele. Isso leva a um tipo de cegueira que consiste em ver nas coisas apenas os correlatos da necessidade. É claro que a experiência de resistência, reduzida a si mesma, diminui o peso da realidade e leva à sua negação ou suspensão.

A redução do ser conhecido à forma do conhecimento humano resulta de uma acentuação da distância que separa o sujeito do objeto. Essa acentuação expressa uma situação extrema de ruptura, isolada em si mesma. Ela torna impossível ancorar-se em uma realidade que se estende além do aspecto objetivo oferecido ao olhar do sujeito.

Mas é possível descobrir a realidade se nos unirmos ao mundo além dos limites da necessidade. Quando o homem é momentaneamente liberado da preocupação da necessidade, quando se tranquiliza em relação a si mesmo, seu olhar é liberado para ver as coisas como são em si mesmas. Dessa forma, somente as tonalidades felizes, ao revelarem o aspecto útil da realidade, elevam o homem acima da estreiteza de sua vida egocêntrica. Ao expandir seu ser, elas estabelecem as bases do conhecimento. Nelas reside a possibilidade de abertura para o que é o outro. Há uma relação íntima entre o apoio e a revelação de uma realidade dentro de si mesmo. As tonalidades felizes são um modo fundamental de aceitação, de disponibilidade, porque não revelam mais o mundo à luz de uma ameaça incerta. O homem pode deixar que as coisas lhe aconteçam por conta própria e, assim, fundamentalmente, “conhecê-las”. Esse conhecimento do mundo além da necessidade não é um modo derivado e exausto de preocupação prática. Tem um valor positivo.

Pensar no conhecimento como um modo de existência derivado, e não originário, é pensar na existência como uma dimensão alheia ao conhecimento. E isso significa presumir que o conhecimento não consiste em um relacionamento genuíno com o outro. O conhecimento é reduzido desde o início à sua forma teórica, o puro dado é, como tal, identificado com o objeto do olhar teórico. Assim, a relação primitiva com o mundo é encontrada apenas no comportamento reduzido à sua dimensão prática. O conhecimento teórico está ligado à preocupação, da qual ele é a ausência. A preocupação já envolve a redução do ser das coisas ao ser do homem. A atitude teórica, em seu caráter de objetivação radical da realidade, completa o processo redutivo. A preocupação prática é a dimensão primária do ser-no-mundo, porque o conhecimento como abertura para o outro, para algo mais do que si mesmo, é entendido como um subproduto da existência. O fechamento da existência ao círculo humano impede a possibilidade de conhecimento e torna necessário apresentar o conhecimento como uma abertura fictícia. O conhecimento envolve uma incapacidade de abertura análoga à da preocupação. Essa incapacidade é refletida em sua forma teórica, entendida como uma redução do ser das coisas ao status do objeto.