Excertos do ensaio “O Problema da Poética de Aristóteles”
A obra constitui o sentido de toda ação!
Esta resposta põe um problema. A primeira vista, parece tornar a estrutura própria da ação de tal modo dependente de uma obra que agir seria sempre fabricar alguma coisa. Na verdade, porém, no tocante à ação, a obra não se refere em primeiro lugar à coisa elaborada mas ao que brota e se apresenta numa presença provocante. A obra é antes de tudo uma produção. Manifesta o que surge, eclode e se mostra como tal. Nessa acepção Aristóteles diz que a todo ação pertence uma obra. Assim a determinação do bem como obra coincide com a determinação do penhor como sentido de sorte, que ergon e telos se correspondem na ação.
Mas a obra não se restringe apenas ao âmbito da ação humana. Pertence à dinâmica de toda a realidade. Sempre que na realização de qualquer coisa eclode e surge algo que não estava presente nem em vigor, há e se dá obra. Esta dependência do real de algo que brota do Outro de si mesmo é o que Aristóteles chama de dynamis, poder-ser. Esta função de poder-ser se acha tão intimamente ligada à obra que indica sempre: ter condições para deixar surgir, para produzir alguma coisa de novo. Enquanto ainda não se deu uma produção, o poder-ser se reduz a uma simples possibilidade abstrata.
O próprio da ação mora nesta referência necessária a uma obra. O homem vive em operação, está sempre operando. O homem é a ação que está em obra. A ação é uma energeia. Obra e operação perfazem as duas dinâmicas integrantes e constitutivas da realização de toda ação. Quando se diz que uma coisa está em operação, está em obra, pretende-se ressaltar-lhe o processo de eclosão, com isso se quer dizer que ela ainda não é tudo que tem. Quando se diz que uma coisa é uma obra, pretende-se acentuar-lhe o que já se atualizou e amadureceu. No movimento da produção, a obra é a plenitude da operação, é o que já tem sentido em si mesmo, to Echon telos e por isso já não está em obra, já não é uma energeia, mas está em sentido, é uma entelecheia. (“O Problema da Poética de Aristóteles”, Revista Tempo Brasileiro n°45/46).