Carneiro Leão – Língua

Excertos de “Aprendendo a pensar”, Tomo I.

A pergunta decisiva agora é saber o que é ensinar e aprender. Ao ouvir a pergunta e sentir-lhe a necessidade, poderemos facilmente pensar que a resposta só pode ser dada pela ciência. Mas só poderemos pensar assim, se e enquanto em nosso empenho de perguntar e desempenho de responder, não nos colocarmos, nós mesmos, em questão. Pois, questionando a questão fundamental, de que a existência é o penhor de todo empenho e desempenho, a ciência não é senão uma determinada elaboração e exercício de ensinar e aprender. Mas então o que há com ensinar e aprender que pode não ser explicado somente pela ciência? — A Linguagem grega é a passagem obrigatória de todos os caminhos do saber e da cultura ocidental. Como chamavam os gregos o movimento de ensinar e aprender? Chamavam com um só radical: mantháno. Assim, máthesis é o ensino e a aprendizagem, tanto no sentido do que é aprendido e ensinado, como no sentido do processo de ensinar e aprender. Mathémata, o que pode ser ensinado e o que pode ser aprendido; e mathetés, o aluno, aquele que ensina aprendendo; o professor, aquele que aprende ensinando. Pela língua dos gregos, portanto, a Linguagem nos diz que ensinar e aprender toma a realidade num determinado aspecto. E o problema é precisamente saber qual será este aspecto. Quando se ensina e se aprende uma coisa, em que perspectiva e sob que ângulo se toma a realidade? A resposta é que então se toma a realidade enquanto pode ser aprendida e pode ser ensinada. Aprender é um modo de tomar posse: de apossar-se e de apropriar-se. Mas em que nível e em que acepção? Pois podemos tomar uma pedra e colocá-la numa coleção. Nas bulas dos remédios se lê muitas vezes: tomem-se três drágeas ou seis gotas. É que tomar diz vários modos de apossar-se, apropriar-se e dispor de uma realidade. Dentro dessa variedade, qual será o modo de tomar que exerce o aprender? Segundo o jogo da Linguagem, não podemos propriamente aprender uma realidade, por exemplo, um veículo. Do veículo só podemos aprender o uso, o valor, o funcionamento, a fabricação etc. Em todo caso, temos aqui uma indicação e um primeiro aceno sobre o modo de tomar próprio do aprender. Aprender é um tomar em que se apropria e se dispõe do uso de alguma coisa. Esta apropriação se dá pelo treino e exercício. Mas, por outro lado, treinar e exercitar-se é apenas uma espécie de aprender. Nem todo aprender é treinar. E o que mais se aprende num veículo além do uso e funcionamento? Pelo que se toma e como se toma a realidade, quando dela aprendemos alguma coisa? Aprendendo a pensar I: Aprender e Ensinar

Há séculos se vem operando gradativamente uma revolução radical em todos os parâmetros decisivos da história. O homem se vê cada vez mais transplantado numa outra realidade. É o transplante do pensamento que calcula. Dele nasce esta nova posição do homem no mundo e para “com o mundo que designamos com o título de moderno: idade moderna, ciência moderna, homem moderno, mundo moderno. Na voragem da modernidade impera o objeto, cuja objetividade ministram e administram a ciência e a técnica planetárias. Tudo é processado em reserva de controle e de domínio. A natureza já não é senão um gigantesco reservatório, a fonte dos recursos para a indústria moderna. O homem se reduz a um sistema fechado de energia que funciona tópica e economicamente. A linguagem se iguala às vicissitudes de língua e discurso que uma coordenação de eixos, sincrônico e diacrônico, vai destilando. A comunicação equivale às trocas de codificação e descodificação que, fazendo circular as informações, assegura um nivelamento assintótico dos repertórios. Aprendendo a pensar I: Filosofia e Psicanálise

Numa leitura objetiva, ambiente diz atmosfera, o elemento em cujos limites a vida encontra condições e recursos para nascer, crescer e morrer. No ambiente da psicanálise se vive uma cissiparidade em que a geração da nova vida se dá num vaivém contínuo de posição, oposição e composição. De um lado, todos são cidadãos de dois mundos: um mundo teórico de modelos e técnicas, que abrange publicações, cursos, seminários, congressos, reuniões científicas e discussões de casos; e um mundo terapêutico de tratamento e clínica, que inclui settings, interpretações, transferências, atuações, reações, progressos, resistências, melhoras, regressões. De outro lado, todos falam duas línguas distintas: uma língua comum no mundo terapêutico e uma língua privada no mundo teórico. Muitas vezes, os discursos teóricos da língua privada contrastam nitidamente, pela ingenuidade crítica e pela insensatez epistemológica, com os discursos clínicos da língua comum, mesmo ao nível de simples conversas informais, onde a comunicação se faz sem grandes dificuldades. Aprendendo a pensar I: Filosofia e Psicanálise

Para uma crítica epistemológica a insensatez do discurso teórico da psicanálise é consequência de uma ingenuidade metodológica fundamental. Não há produção de objeto na psicanálise. Os casos são apresentados numa língua técnica que confunde observação com interpretação estilizada. A falta completa de métodos adequados para testar hipóteses impede qualquer produção epistemológica de objeto. O resultado são protocolos, abundantes em hipóteses explicativas, mas carentes de fatos testados. Em consequência, as divergências de interpretação clínica e de endereço teórico tendem sempre para um impasse epistêmico. Assim as diferenças entre uma intrepretação fálica de um dado material clínico e uma interpretação kleiniana, que o refere diretamente ao seio, permanecem sem saída. Não há meio de se decidir o impasse. A interpretação em causa fica tão aberta como a pronúncia inglesa de tomate. Aprendendo a pensar I: Filosofia e Psicanálise

Por fim, a equivocação da psicanálise torna todo diálogo epistemológico impossível. Pois, se cada participante de uma pretensa discussão científica só falar para os que já concordam com ele, todo diálogo terá sido substituído por um sistema de espelhos, em que cada imagem é refletida ao infinito. Assim, se numa discussão científica de casos, os analistas, que antes e depois falavam uma língua comum, sem nenhuma dificuldade, têm de falar uma língua privada, a psicanálise está trancada realmente numa sala de espelhos. Aprendendo a pensar I: Filosofia e Psicanálise

O que Freud descobriu não foi uma nova hipótese dentro do universo de discurso da medicina de seu tempo, para explicar a origem e o desenvolvimento das neuroses. Não se tratava de uma nova etiologia que explicasse a neurose pela frustração sexual. Com uma tal explicação, a psicanálise não teria mobilizado tanta resistência e ansiedade, nem ontem nem hoje. O que Freud descobriu foi um novo universo de discurso. Neste novo universo todo discurso era revolucionário, por mais comuns que fossem a gramática e o vocabulário utilizados, por mais correntes que tenham sido os modelos e as regras empregadas. É este novo universo que lhe possibilitou formular, com a língua vigente na ciência de seu tempo, as ideias revolucionárias sobre a dinâmica inconsciente. Aprendendo a pensar I: Filosofia e Psicanálise

O tradutor tem plena consciência dos riscos de traição, que comporta o presente esforço. Trata-se de traduzir para uma língua sem grande tradição filosófica textos de um pensamento, cuja originalidade é a originariedade. Procurando superar o predomínio da metafísica, vigente em todas as estruturas da existência ocidental, Heidegger revoluciona as relações correntes entre pensamento e linguagem. Aprendendo a pensar I: Itinerário do Pensamento de Heidegger

De acordo com a originalidade de seu pensamento Heidegger se propõe superar essa interpretação metafísica da linguagem para atingir-lhe a dimensão originária, onde se presenteia o homem com uma re-velação do Ser. Nesse propósito teve de usar violência contra a forma vigente da linguagem e do estilo. Para isso contou com a grande riqueza semântica da língua alemã, que conserva nos étimos de suas palavras, na maleabilidade de seus recursos de expressão, nas grandes possibilidades de composição, adjetivação e substantivação muitos indícios do sentido originário da linguagem. Ademais Heidegger pensa dentro de um espaço lingüístico enriquecido por uma das maiores tradições filosóficas do Ocidente. Aprendendo a pensar I: Itinerário do Pensamento de Heidegger

2. Desta perspectiva, Heidegger e Wittgenstein aparecem cada um numa luz diferente. Heidegger é o tipo do filósofo alemão. Especulativo, de formação clássica e filológica, empenha-se em repetir toda a tradição metafísica, visando não competir mas despedi-la. Neste empenho, a ciência moderna, em seu modo de reflexão técnico-matemático rigoroso, não lhe serve de modelo mas de sintoma: com o desenvolvimento planetário da técnica, a metafísica celebra, na decadência vigente do pensamento, o maior triunfo de seu domínio histórico. — Wittgenstein é o lógico da língua técnico-científica. Antiespeculativo por excelência, seu Tractatus e as Investigações Filosóficas valem como documentos clássicos da Filosofia Analítica nos círculos do que se poderia chamar de Epistemologia Dogmática. A mentalidade antiespeculativa, que desde Ockham através de Hobbes, Locke e Hume veio dominando o nominalismo inglês, e a crítica fundada na análise lógica da língua , que começou a florescer com Boole, Frege, Russell, Peirce e Moore, convergiram em Wittgenstein numa suspeita cética: toda metafísica, sendo destituída de sentido, é, na acepção própria do termo, uma insensatez, oriunda de uma incompreensão lógica da língua de nossos discursos. Aprendendo a pensar I: Wittgenstein e Heidegger

4. Se não nos deixarmos desviar desta aparência, a própria suspeita de insensatez nos possibilita encontrar nas diferenças entre Heidegger e Wittgenstein uma identidade de pensamento. Não apenas Wittgenstein, também Heidegger suspeita a metafísica de insensatez. Para Wittgenstein a metafísica se origina numa espécie de alienação da língua , cuja função lógica não é compreendida pelas especulações dos filósofos. Para Heidegger, a metafísica se origina numa espécie de alienação do Ser, cujo sentido se foi esquecendo nas peripécias da História do Ocidente. Não obstante todas as diferenças, Heidegger e Wittgenstein vieram a encontrar-se com três outras críticas à metafísica, fundadas também na suspeita de insensatez: com a crítica de Marx, que suspeita a metafísica de alienação ideológica, com a crítica de Nietzsche, que suspeita a metafísica de alienação do poder, e com a crítica de Freud que suspeita a metafísica de alienação da consciência. Com isso se completa o horizonte do pensamento crítico, em cuja radicalidade movimentos heterogêneos e endereços diferentes de pensamento encontram a identidade de sua própria diferenciação. Aprendendo a pensar I: Wittgenstein e Heidegger

9. O Tractatus não é uma corrente de discursos, que pretendesse demonstrar teses segundo uma ordem hipotáti-ca ou para tática de argumentação. É que todo discurso está ordenado à organização lógica de fatos relativos a um conhecimento objetivo do mundo. O pensador não quer provar nada. Visa tão-somente a re-velar nas funções da língua o vigor do pensamento e assim denunciar a ilusão de se lhe atribuir o registro próprio da ciência. O projeto do Tractatus é inteiramente despojado de qualquer pretensão científica. A vitalidade de seus aforismos não pode ser determinada como um sistema de sentenças. Só fatos são suscetíveis de discurso. Uma sentença não pode exprimir senão um fato, simples ou complexo. Como o autor de Delfos, o pensador não afirma nem nega coisa alguma. Ele apenas assinala, enviando-nos à viagem de todas as nossas línguas . A metafísica tem sido vítima de seus próprios encantos. Mobilizada pelo narcisismo metafísico, a epistemologia se encantou pelos encantos metafísicos de uma antimetafísica. A metafísica cai sob a crítica da epistemologia por pretender pensar a Essência da realidade num discurso. A epistemologia, usando a arma da crítica sem fazer a crítica da arma, recai na metafísica, por não pensar a Verdade da Essência e assim desconhecer que há um pensamento mais originário do que o pensamento discursivo. É o que nos sugere o Tractatus de Wittgenstein: “Meine Saetze erlaeutern dadurch, dass sie der, welcher mich versteht, am Ende als unsinnig erkennt, wenn er durch sie — auf ihnen — über sie hinausgestiegen ist. (Er muss sozusagen die Leiter wegwerfen, nachdem er auf ihr hinausgestiegen ist). Aprendendo a pensar I: Contexto Problemático do Tractatus de Ludwig Wittgenstein

Como pensador, Heidegger é a Linguagem do Pensamento. Nas atitudes, nos escritos e peripécias de seus 86 anos, se fez língua a Linguagem do Pensamento na medida em que cada um deles acolheu a Linguagem como Linguagem. Se diretamente todas as línguas de Heidegger falam da Linguagem como se falassem apenas sobre a Linguagem, obliquamente, porém, já é sempre a partir da Linguagem que todas elas deixam a própria Linguagem vir a ser nos diversos registros do discurso o vigor de si mesma! Aprendendo a pensar I: A Morte do Pensador

De há muito que se faz residir a Linguagem no discurso das sentenças de uma língua . Mas não seria o inverso? Não será o discurso das sentenças de uma língua que reside na identidade da Linguagem? Pois todas as sentenças, sejam verdadeiras ou falsas, pressupõem, como condição de sua discursividade, a identidade na diferença. Aquém do discurso das sentenças eclode, como fonte geradora de suas diferentes funções, um domínio da Linguagem, a dinâmica diferenciante de um vigor de identidade que abre o espaço e ministra as forças para o desdobrar-se da diferença numa pluralidade coerente de funções. Aprendendo a pensar I: A Morte do Pensador

O pensamento de Heidegger é o esforço de nos reconduzir ao País das Maravilhas, onde o movimento de pensar é tão concentrado na identidade de si mesmo que colhe os limites de nossos hábitos de pensar e possibilidades de dizer nas próprias raízes de sua limitação. É, então, que se faz silêncio no país do Pensamento. Pois o silêncio é a Linguagem no movimento consumado do repouso, que já ultrapassou toda discursividade da língua . Nesta ultrapassagem um laço extraordinário de intimidade entrelaça pensamento e história. Apesar de estranho a qualquer atualidade, incomensurável a tudo que constitui moda e move as preocupações do tempo, o pensamento de Heidegger não é, em sua própria estranheza e incomensurabilidade, intemporal. É apenas intempestivo: não se conforma com o espírito nem se curva às tempestades do desenvolvimento. Está sempre em ruptura com as convicções progressistas que, desde o início, vêm assoberbando de onipotência a consciência do Ocidente. A intempestividade presenteia-lhe o pensamento com uma anacronia contemporânea de toda sincronia e de toda diacronia. Pelas peripécias desta anacronia se rompem as seguranças, se desfazem as certezas, se apoucam as urgências das tempestades históricas. Aprendendo a pensar I: A Morte do Pensador

Essas reflexões nos dizem que o processo de instauração do mundo comporta sempre a edificação de uma obra, uma operação. Assim como a arte, a ação criadora do político, que funda um novo sistema de convivência, o comportamento do herói, que realiza um sacrifício transcendente, a reflexão do pensador que converte em marcha de pensamento a verdade da existência, sempre qualquer processo de instauração do mundo é a edificação de uma obra. É um primeiro resultado. O segundo se refere à Linguagem como dinamismo e potência da obra. Instituir originariamente um mundo é a força criadora da Linguagem. Toda Linguagem é articulação de um mundo em que se estrutura a existência na multiplicidade de suas manifestações. As diversas línguas traçam toda a história, as vicissitudes da Linguagem pela qual todos os povos se elevam a um mundo de presença humana que dá sentido a toda a sua existência. São assim maneiras que permitem a cada povo engrenar-se na História da Humanidade e tomar parte, dando a sua parte, na instauração do mundo humano. A obra de arte é a revelação do mundo da existência na força da Linguagem. Essa Linguagem assume na Literatura a forma de língua . Ser literária significa para a Crítica assumir a obra de arte na Linguagem das palavras. Aprendendo a pensar I: Existencialismo e Literatura

Somos viajantes por sempre estarmos enviados à viagem das vias de uma paisagem. O envio é o avio da Linguagem. Deixar a viagem ser este envio por todas as vias da paisagem é a poesia dos viajantes. Poesia não é um fazer. Nem o fazer do discurso nem o fazer da língua nem o fazer da gramática e suas transformações. É um deixar-se enviar pela Linguagem na viagem das vias de uma paisagem. Aprendendo a pensar I: O Poeta na Terra Lingüística

Teoria e técnica são como as escadas. Só se consegue subir à poesia pela escada da língua e do discurso. Mas nunca se chegará à poesia se desde o primeiro degrau de competência e desempenho não se for jogando fora a escada. É que uma escada só é escada se não for somente escada e por isso deixar de ser escada depois de se ter sido colhido pela poesia. A língua e o discurso se tornam veículos da viagem poética quando a viagem libertar os viajantes dos veículos. A poesia é então a Linguagem da paisagem. Aprendendo a pensar I: O Poeta na Terra Lingüística

A paisagem não se reduz apenas à gramática dos discursos e suas transformações. É também a Sua do viajante, de viagem na paisagem. O viajante dá os nomes da língua à paisagem. O nome encobre a paisagem, descobrindo-lhe as vias no subtrair-se da Linguagem. É uma luz que obscurece quanto mais esclarece. O subtrair-se da Linguagem gera uma força de vácuo que, rasgando as vias da língua , arrasta o viajante à poesia da paisagem. Os discursos não produzem nem dominam a paisagem. São envios da Linguagem. Obviam o viajante com as vias que a Linguagem libera como a verdade da paisagem. Aprendendo a pensar I: O Poeta na Terra Lingüística

O poeta recolhe o discurso na liberdade da paisagem. Para não encolher-se na prosa de uma narrativa, escolhe a liberdade da poesia em que, recolhendo o discurso, deixa a paisagem vir a si mesma na Linguagem. Escolher não é superar. O poeta não ultrapassa mas se recolhe no que escolhe. Pois só colhido pela Linguagem é que a verdade da paisagem o faz acolher o discurso na poesia. Ser poeta não é construir um outro discurso ao lado ou além ou aquém das estruturas narrativas de uma gramática fundamental. É restituir peso ao discurso da língua na gravidade da Linguagem. O poeta é poeta por descobrir-se tão imerso no mistério da Linguagem que toda poesia, sendo a impossibilidade de falar sobre a Linguagem, o leva a sentir nesta impossibilidade a Linguagem de toda poesia. A Linguagem é ela mesma. Ser ela mesma é recolher sempre o viajante na viagem da impossibilidade de discursar sobre a Linguagem. Deixar-se colher pelo recolher da Linguagem torna o viajante poeta nas vias da paisagem. Aprendendo a pensar I: O Poeta na Terra Lingüística

Na escolha poética este deixar-se colher percorre todo o diferir de atividade e passividade. Ao longo do percurso se elabora um pensamento que renuncia à onipotência de fazer a poesia. É o pensamento precursor do poeta que, com os ouvidos da renúncia, escuta, no próprio deserto de poesia da terra lingüística, a ausência fecunda da Linguagem, gerando o diferir de todas as diferenças. É o pensamento precursor que descobre o espaço de jogo onde o poeta reencontra na língua e na gramática de seus discursos a poesia da Linguagem. Ser todo precursor é, pois, a própria essência do pensamento poético na terra lingüística. Aprendendo a pensar I: O Poeta na Terra Lingüística

Diálogo entre Saussure e Hölderlin. De como o poeta, cismando com a estrutura de língua e discurso, suspeita do vazio do signo e revela a Linguagem. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Saussure: A Linguagem é mesmo tão grande como a estrutura de língua e discurso? / Hölderlin: Língua e discurso são o abismo da Linguagem. Nele a Linguagem não cai porque não cabe. A Linguagem é sempre o perigo. Na liberdade deste perigo se dá a estruturação de toda estrutura de língua e discurso. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Saussure: Uma pergunta objetiva requer uma resposta objetiva e não romântica. Uma Linguagem, que não é nem língua nem discurso, não existe. O que existe é uma mistificação ideológica. / Hölderlin: Não há diferença de horizonte entre a objetividade de uma pergunta objetiva e a subjetividade de uma resposta romântica. Procurar compreender a Linguagem objetivamente, como estrutura sincrônica de língua e discurso, ou pretender vivê-la subjetivamente, como emoção romântica, é trancar-se dentro de um mesmo horizonte. E trancado nunca se encontra a Linguagem como Linguagem. Só se poderá encontrar distinções e determinações estruturais, tais que maior, menor, tão grande como, objetivo e subjetivo, língua e discurso, individual e social, significante e significado, arbitrário e convencional, ativo e passivo, etc. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Saussure: Se a Linguagem está livre da estrutura de sujeito e objeto, de língua e discurso, de significante e significado, o que se chama então de Linguagem não é nem real nem possível. E só o Nada não é nem real nem possível. / Hölderlin: Os poetas sempre foram poetas a partir do Nada. Se a Linguagem fosse maior, menor ou tão grande como a estrutura de língua e discurso, não poderia haver poesia. O poeta estaria irremediavelmente preso no horizonte de articulação de significado e significante e nem sequer poderia suspeitar o não-horizonte, o Nada de horizonte. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Saussure: Mas uma coisa é inegável. Nenhum poeta é poeta de qualquer maneira. Todo poeta só pode ser poeta dentro de uma comunidade lingüística, cujas estruturas instruem de sentido poético a poesia. / Hölderlin: O Essencial não é o que na comunidade lingüística se fez e se faz com a Linguagem. O Essencial é o que o poeta deixa de fazer com a Linguagem e faz com o que se fez e se faz com a Linguagem. O que se fez e se faz com a Linguagem são as estruturas que o lingüista analisa. O que o poeta faz é romper as estruturas, e o que deixa de fazer é permitir que a Linguagem, deixando de ser apenas língua e discurso, venha a ser Linguagem, na poesia. Na análise química a cor não é cor. É química. A química não deixa a cor ser cor. Só na pintura a cor vem a ser cor. Pois pintar é deixar que a cor deixe de ser tinta e venha a ser cor na obra. O lingüista é o químico, o poeta é o pintor da Linguagem. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Saussure: Mas o que vem a ser o horizonte de sujeito e objeto? Tudo parece depender dele. É pois indispensável um discurso sobre o horizonte. / Hölderlin: O horizonte mantém o discurso em nível de discurso. É o paladar dentro e a partir do qual fala o discurso. Sobre o horizonte não poderá haver discurso. Todo discurso sobre qualquer coisa já é sempre discurso do horizonte. O horizonte mesmo é como horizonte do discurso, proporcionando objetividade aos objetos e discursividade aos discursos. Por isso dentro da perspectiva horizontal não há visibilidade objetiva do horizonte nem é possível representar o horizonte. O máximo, que se consegue, é procurar definir, é vir a de-terminar objetivamente o que cai sob a perspectiva do horizonte. Assim quando perguntamos: o que é a língua , ou outra coisa qualquer; e quando respondemos: a língua é um sistema de signos, ou outra determinação qualquer, sempre nos movemos dentro do horizonte. O discurso objetiva tudo sobre que discorre. A pergunta, o que é o horizonte, não pergunta pelo horizonte mas a partir dele. Não é uma pergunta sobre mas uma pergunta do horizonte. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Saussure: Ninguém poderá representar-se exatamente este horizonte. É tão indeterminado e fluente que está em toda e em nenhuma parte. A estrutura de língua e discurso, ao contrário, é precisamente determinada. De certo, os poetas, para serem poetas, não necessitam conhecê-la tematicamente. A poesia se faz em nível de linguagem e a estrutura se dá em nível de metalinguagem. / Hölderlin: Linguagem e metalinguagem soam como aquela clareira da Floresta, tão grilada de mecânica, que já não podia ouvir o ressoar do Silêncio. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

A grilagem, não permitindo o questionamento da separação e oposição de objetivo-subjetivo, impede também que se des-cubra na estrutura de língua e discurso o fruto de uma metalinguagem redutiva, que, por ser redutiva, se ignora, como presença da ausência da Linguagem. A metalinguagem é o saber que o lingüista possui de seu não saber a Linguagem da poesia. Assim como dentro-fora é um modelo de espaço e subjetivo-objetivo, um modelo de ser, assim também linguagem-metalinguagem é um modelo de operar imposto pela mesma mecânica da representação. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Falar a partir da Linguagem da poesia não é indicar uma outra linguagem dentro ou fora da estrutura de língua e discurso. Pois assim operando, já de-finimos a Linguagem como um objeto dentro ou fora de outro objeto, já de-finimos o dentro e o fora juntamente com sua indicação, como uma função de um objeto para com outro objeto. Ora, definir como objeto ou de-finir como função entre objetos, é a objetivação própria da representação. Sem dúvida desta mecânica não podemos prescindir. Mesmo quando falamos do mistério do homem, sempre operamos com signos e funções tais que vida e vital, pessoa e pessoal, vivência e vivencial, existência e existencial, estrutura e estrutural etc. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Mas se, por um lado, dessa mecânica não podemos prescindir, por outro lado, também essa mecânica não pode satisfazer a poesia. Pois, operando nela, procuramos sujeitar o mistério da Linguagem ao império da representação do objeto e sua objetividade pelo sujeito e sua subjetividade. Nesta sujeição, o mistério seria reduzido a um pro-blema, como se já não fosse sempre o mistério que possibilita toda operação de-finitória da estrutura de língua e discurso. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

É quase irresistível a tentação de se perguntar: ausência de quê? — É. Na clareira da objetividade, toda ausência é sempre ausência de alguma coisa, de um objeto. Ora, a Linguagem poética, enquanto o vigor da ausência, enquanto nos presenteia com a presença da ausência, é somente abertura da espera de nada. O poetar do poeta se concentra e recolhe na pura liberdade da espera de nada. Ser poeta é se deixar fazer todo ressonância à música inaudita do Ser, perfeita transparência à luz invisível do Nada, pura sensibilidade à vigência do inefável, plena liberdade para a desestruturação das estruturas, inteira disponibilidade para o advento à língua do mistério do Silêncio. Pois a Linguagem vige e vigora aqui neste mistério do Silêncio que, enquanto se retrai como presença, nos presenteia com a estrutura de língua e discurso. Aprendendo a pensar I: A Poesia e a Linguagem

Heráclito: A abertura não nos abre apenas o acessível. Também o acesso ao inacessível, como tal, nos é facultado pela abertura, que se exerce na própria diferenciação de aberto e fechado, de acessível e inacessível. Abertura não é assim uma coisa que se pudesse fazer ou encontrar entre outras coisas. Abertura só se dá no movimento bruxuleante de, abrindo, vedar e, vedando, abrir passagem. Neste movimento é que somos presenteados com a verdade de nossa finitude. Pois a in-verdade pertence essencial e constitutivamente à verdade. Estando sempre numa configuração de verdade, estamos também numa configuração de in-verdade. Esta tensão é o que evoca a provocação da palavra grega alétheia. Pois lanthano significa cobrir e velar, manter-se encoberto e ficar velado. Lethe é o nome de uma torrente no Hades, cujas águas encobrem a vida e velam as vivências dos mortos. É também o nome do esquecimento, cujo verbo, usado na forma medial de lantháñomai, quer dizer propriamente: se me encobre para mim mesmo, eu fico encoberto para mim de tal sorte que o eu, o me e o para mim resultam e nascem do próprio movimento de encobrir. Sendo profundamente reflexiva, a língua grega, ao falar, é atraída pelo vazio que deixa ecoar nas palavras o retraimento da Linguagem. / Diana: Somente neste vazio poderiam medrar o mito e a música, a poesia e o pensamento, o teatro e os jogos, a pintura e a escultura, a democracia e a tirania, a filosofia e a ciência em seu vigor originariamente grego. O mais provocante nesta experiência nasciva da alétheia não é apenas a riqueza inesgotável de sua fulguração em palavras e em mármore mas sobretudo a serenidade madura de sua vigência tanto na aurora como ocaso de sua jovialidade. É esse vigor originário que Hölderlin procura evocar com o título Oriente e Oriental, quando, no poema, Griechenland, A Grécia, chama os gregos de Oriente do Ocidente. Aprendendo a pensar I: Diana e Heráclito

O instrumento e a máquina são determinados pela funcionalidade de uma eficiência. Por isso subordinam a seus serviços o material e os mecanismos de que são feitos. Na produção de um instrumento se usa e abusa do ferro. O ferro se consome para dar lugar à instrumentalidade. O bom sapato é aquele, cujo couro não aperta os pés. O material é tanto melhor quanto mais desaparecer nos serviços da instrumentação. A obra, ao contrário, não faz desaparecer mas eleva o material a si mesmo na tensão de cultura e natureza: assim é na escultura que a lenha vira madeira, é na pintura que a tinta se faz cor, é na sinfonia que o som se torna música, é na poesia que a língua vem a ser linguagem. Tudo se cria na criação da obra. Toda criação é original por ser originária. Nos vórtices desta originariedade os mecanismos são como as escadas. Só se chega à obra pela escada dos mecanismos. Mas nunca se chegará à obra, se desde o primeiro degrau não se for jogando fora a escada. É que uma escada só é escada se não for somente escada e por isso deixar de ser escada desde que se tenha sido colhido pela originariedade da obra. Os mecanismos só se tornam veículos da criação de uma obra quando a criação libertar a obra dos veículos. Pois então a obra será a linguagem da criação. Aprendendo a pensar I: Os Mecanismos da Criação Original

A Linguagem é a passagem misteriosa e, por isso mesmo, diretamente imperceptível de todos os caminhos do pensamento. Pensar a identidade de Hermenêutica, Revelação e Teologia a partir de sua diferença equivale a pensar o mistério recíproco da Linguagem fazendo-se língua , do Verbo fazendo-se carne, de Deus fazendo-se homem. Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

Na sua raiz mais profunda, todo pensamento pensa sempre reciprocamente a identidade a partir da diferença. Por ser simples, é uma resposta difícil de se entender logicamente. A resposta extingue a pergunta. Ora, uma pergunta, cuja resposta a extingue, não sobrevive na resposta. Não é uma pergunta Essencial. Falta-lhe radicalidade de estruturação para sustentar o vigor da resposta. É uma pergunta aparente que fala a língua in-diferente da irreflexão. Trata-se de uma língua tão in-diferente que pode tornar-se até a língua comum de todo mundo. Assim é a simplicidade da resposta que impõe a radicalização do pensamento, onde se articulam perguntas Essenciais. Para se chegar, portanto, à identidade de Hermenêutica, Revelação e Teologia pela diferença, fez-se necessária toda a coragem e toda a ascese de um pensamento radical. O que é um pensamento radical? Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

Esta nesciencia nesciente do mistério que se dá enquanto se retrai em nossa época de mistério é o princípio fundamental de toda hermenêutica digna deste nome. O nome, hermenêutica, deriva-se do verbo, hermeneúein, que os romanos traduziram com interpretari. Numa longa história de constituição foi-se firmando o costume de se entender hermeneúein e hermeneía, interpretari e interpretatio, como um nome comum, onde se empacotam todas as funções semânticas da linguagem: explicar, traduzir, comentar, expressar. No NT encontramos o nome usado para designar estas quatro funções semânticas da linguagem. (Assim por exemplo para explicar: ICor 12,10, hermeneía glossõn; para traduzir: Jo 9,7, Siloám — ho hermeneúetai apestalménos —; para comentar: Lc 24,27, dierméneusen autpis en pasáis tais graphais tà perl heauton; para expressar: At 14,12, ekáloun te ton Barnabãn Día, tón dè Paulon Hermen, epeidè autos en ho hegoúmenos tou lógou.) O denominador comum de todas elas costuma-se encontrar no fato de que sempre em qualquer função hermeneía e hermeneúein exercem o papel de esclarecer, seja uma mensagem obscura, uma língua estranha, uma passagem pouco clara ou uma vontade desconhecida. Por isso também, assim se usa dizer, a hermeneia se aplica às palavras divinas, à mensagem de Deus, que, sendo por sua própria natureza obscuras e misteriosas, necessitam de interpretação. Os métodos e técnicas, as leis e teoria desta interpretação nos proporcionam uma ciência, a hermenêutica. Ora, estas leis e métodos, estas técnicas e teoria da interpretação são os mesmos do pensamento objetivo que o homem emprega sempre que pretende conhecer em sua intenção o sentido de qualquer contexto semântico. Daí também a definição hoje corrente de hermenêutica: a leitura do sentido de uma estrutura significante em sua intenção significativa dentro de uma comunidade lingüística. No nível do pensamento objetivo da ciência hermenêutica não há como distinguir a exegese de um texto da escritura da interpretação de qualquer outro texto literário, do mesmo modo como no nível da química não é possível distinguir uma tela de van Gogh de um cartaz de cocacola ou no nível da lingüística uma poesia, de um jingle de propaganda. Está muito certo, o método histórico-crítico, a filologia, a arqueologia, a história das formas literárias, a lingüística estrutural, a crítica das fontes e dos textos, a história comparada das religiões, a antropologia são meios e recursos indispensáveis à interpretação e ao entendimento da Escritura. O errado é pretender que tudo isso se dê sem nenhuma pré-compreensão e perspectiva prévia sobre o ser em causa no texto e no intérprete. Tal pretensão seria tão espirituosa como a de quem procurasse apreender a força criadora de um quadro de van Gogh só com a análise química das tintas ou quisesse encontrar-se com uma poesia só na análise estrutural da língua . Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

Aqui chegamos ao sentido originário de Hermenêutica. Na raiz de seu exercício, a hermenêutica não é nem teoria nem processo de interpretação. É o acontecer da Linguagem do Mistério na estrutura da língua . Há sempre hermenêutica. O que não há sempre é interpretação consciente da hermenêutica. Pois essa só se dá quando a Linguagem do Mistério vigente na interpretação recolhe em si todas as línguas das palavras de um texto. É aqui neste fazer-se língua do mistério da Linguagem que Hermenêutica, Teologia e Revelação se identificam em sua diferença. (Nós estamos mergulhados constantemente no mistério da Linguagem, o que nos faz sempre de novo encontrarmo-nos com a experiência provocante de sentirmos a impossibilidade de falarmos sobre a Linguagem, e nessa impossibilidade sentirmos a Linguagem de todas as nossas línguas . A Linguagem é a impossibilidade de falarmos sobre a Linguagem de tudo de que falamos.) Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

A experiência grega do homem se construiu no Zõon lógon échon, de quem a formulação metafísica, animal rationale, não é de forma alguma uma tradução hermenêutica pelo simples fato de não nos traduzir para o nível de radicalidade da experiência grega. O homem não é um animal a quem se acrescentou razão e racionalidade. O homem é a vida da Linguagem, tanto no sentido do que sua humanidade chega a si mesma na passagem continua e recíproca da língua para a Linguagem como no sentido de que na sua humanidade a Linguagem se dá enquanto se retrai como língua . Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

É no espaço de humanização aberto por esta experiência grega que Cristo se fez homem e atendou entre nós. Cristo é a revelação da Linguagem como o mistério do Sim do amor de Deus. É na encarnação de Cristo que a língua chega à plenitude da Linguagem do mistério. Por isso o desdobramento histórico da encarnação se articula na pregação da Linguagem de Deus, na diakonia tou lógou. Em sua essencialização radical, a história não é uma articulação de fatos mas a articulação da Linguagem do Mistério. Por isso a pregação de Cristo, sendo o acontecer da Linguagem no Sim do mistério, é a força de reunião kath’hólou, que funda a ekklesía de todos os que falam na mesma Linguagem do mistério. Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

No princípio era a Linguagem e a Linguagem estava no Mistério e a Linguagem era Mistério. Toda palavra veio a ser língua por ela e sem ela nenhuma língua se fez língua . O Sim estava nela e o Sim era a língua dos homens. O Sim resplandece no não e nenhum não nega sem o Sim. A jovialidade enviada pelo Mistério fala do Sim de sorte que nela os homens crêem no Sim. A jovialidade não é o Sim mas vem na revelação do Sim, como a língua em que os homens se entendem. A Linguagem estava no mundo, nela o mundo chegou a si mesmo mas nela o mundo não se reconheceu. Adveio na língua dos homens e os homens não a entenderam mas aos que a entenderam, deu o vigor do Mistério, deixando falarem as palavras do Sim. E assim a Linguagem se fez língua e atendou entre as palavras, cheia da jovialidade, da verdade e da revelação do Mistério. Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

“Vindo uma vez São Francisco de Perusa para Santa Maria dos Anjos com Frei Leão, em tempo de inverno, e como o grandíssimo frio fortemente o atormentasse, chamou Frei Leão, o qual ia mais à frente, e disse assim: Irmão Leão, ainda que o frade menor desse na terra inteira grande exemplo de santidade e de boa edificação, escreve, todavia, e nota diligentemente que nisso não está a perfeita alegria. E andando um pouco mais, chama pela segunda vez: Ó irmão Leão, ainda que o frade menor desse vista aos cegos, curasse os paralíticos, expulsasse os demônios, fizesse surdos ouvirem e andarem coxos, falarem mudos, e mais ainda, ressuscitasse mortos de quatro dias, escreve que nisso não está a perfeita alegria. E andando um pouco, São Francisco gritou com força: Ó irmão Leão, se o frade menor soubesse todas as línguas e todas as ciências e todas as escrituras e se soubesse profetizar e revelar não só as coisas futuras, mas até mesmo os segredos das consciências e dos espíritos, escreve que não está nisso a perfeita alegria. Andando um pouco além, São Francisco chama ainda com força: Ó irmão Leão, ovelhinha de Deus, ainda que o frade menor falasse com língua de anjo e soubesse o curso das estrelas e as virtudes das ervas e lhe fossem revelados todos os tesouros da terra e conhecesse as virtudes dos pássaros e dos peixes e de todos os animais e dos homens e das árvores e das pedras e das raízes e das águas, escreve que não está nisso a perfeita alegria. E caminhando um pouco, São Francisco chamou em alta voz: Ó irmão Leão, ainda que o frade menor soubesse pregar tão bem que convertesse todos os infiéis à fé cristã, escreve que não está nisso a perfeita alegria. E durando este modo de falar pelo espaço de duas milhas, frei Leão, com grande admiração, perguntou-lhe e disse: Pai, peço-te da parte de Deus que me digas onde está a perfeita alegria. E São Francisco assim lhe respondeu: Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome e batermos à porta do convento e o porteiro chegar irritado e disser: Quem são vocês? E nós dissermos: Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser: Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui, e não nos abrir e deixar-nos estar ao tempo, à neve e à chuva com frio e fome até à noite: então, se suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra ele e pensarmos humildemente e caritativamente que o porteiro verdadeiramente nos tinha reconhecido e que Deus o fez falar contra nós: ó irmão Leão, escreve que nisso está a perfeita alegria. E se perseverarmos a bater, e ele sair furioso e como a importunos malandros nos expulsar com vilanias e bofetadas dizendo: Fora daqui, ladrõezinhos vis, vão para o hospício, porque aqui ninguém lhes dará comida nem cama; se suportarmos tudo isso pacientemente e com alegria e de bom coração, ó irmão Leão, escreve que nisso está a perfeita alegria. E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio e pela noite, batermos mais e chamarmos e pedirmos pelo amor de Deus com muitas lágrimas que nos abra a porta e nos deixe entrar, e se ele mais escandalizado disser: Vagabundos importunos, pagar-lhes-ei como merecem: e sair com um bastão nodoso e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater com o pau de nó em nó: se nós suportarmos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, as quais devemos suportar por seu amor, ó irmão Leão, escreve que aí e nisso está a perfeita alegria, e ouve, pois, a conclusão, irmão Leão. Acima de todas as graças e de todos os dons do Espírito Santo, que Cristo concede aos amigos, será o de vencer-se a si mesmo, e voluntariamente por amor suportar trabalhos, injúrias, opróbrios e desprezos, porque de todos os outros dons de Deus não nos podemos gloriar por não serem nossos, mas de Deus, do que diz o Apóstolo: Que tens tu que o não hajas recebido de Deus? e se dele o recebeste, por que te glorias como se o tivesses de ti? Mas na cruz da tribulação de cada aflição nós nos podemos gloriar, porque “isso é nosso” e assim diz o Apóstolo: “Não me quero gloriar, senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Ao qual sejam dadas honra e glória in saecula saeculorum. Amém” (I Fioretti). Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

9. A repetição literal de definições infalíveis, sejam do passado ou do presente, não pode trazer nenhuma luz aos nossos problemas. É que nossos problemas não são apenas nossos. E somente são nossos, por serem o Kairos do Mistério de Cristo, vigente na velhice de cada nova situação histórica a convocar-nos para darmos testemunho da Identidade de Sua Salvação nas diferentes vicissitudes da existência. A fé não é uma questão das letras de uma definição. A fé é a Linguagem do Mistério que dá vida cristã às letras, aos termos, às sentenças da língua de uma definição. Sem a Linguagem a língua é morta. Assim nenhuma definição pode definir a fé. Toda definição provém da fé e se refere às conjunturas e situações da condição humana. Por isso só é possível no horizonte da fé. A fé não acrescenta novas relações, novas respostas, novas coisas às dimensões da existência. A fé desvela nas coisas novas e velhas, nas respostas antigas e modernas, nas relações passadas e presentes a Linguagem do Mistério. As palavras das definições não chegam a mim para fazê-las minhas e de posse delas poder falar palavras sagradas. Não há palavra nem língua sagrada. Todas as palavras, que digo, todas as línguas , que falo, são palavras e línguas humanas. Mas as palavras e línguas humanas, sendo respostas do homem, que des-cobre a Linguagem do Mistério de Deus, não são apenas palavras e línguas humanas. Por isso dizer que não há palavras e línguas sagradas é uma provocação cristã para o pensamento pensar o Mistério de todas as palavras e de todas as línguas . Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

Aos judeus, que no Mistério da fé creram em Cristo; disse Jesus: “Se ficardes na identidade de minha Linguagem, sereis na Verdade meus discípulos e assim nascereis com a Verdade e a Verdade trazer-vos-á a liberdade” (Jo 8,32). O Cristianismo se dá no horizonte da fé. A fé é o Mistério da Linguagem de Cristo, cuja identidade abrange toda revelação de Deus e toda religiosidade humana. Esta fé se foi irradiando a partir da Igreja Primitiva pela pregação e escritura da palavra. Numa e noutra a Linguagem de Cristo se fez e se faz língua e história da salvação. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

Porque, na Historicidade da história da salvação, a Igreja Primitiva só se tornou e só se torna cronológica por ser kairológica, só foi e só é paradigmática por ser arqueológica, só se fez e só se faz católica por renunciar à igualdade de suas línguas , para deixar falar nelas a identidade da Linguagem de Cristo. O “in illo tempore” não diz um dado tempo. Diz a Temporalidade de todo e qualquer tempo no vigor escatológico da salvação. Assim a Igreja Primitiva não é um passado que foi outrora e hoje já não é mais. A Igreja Primitiva é a dinâmica da transformação constante de passado em presente pelo futuro. É a presença do Evangelho na riqueza inesgotável dos evangelhos de todos os tempos, velhos ou novos. Pois o Espírito de Cristo enviou sua Igreja numa viagem histórica, rica em diversidade, tensão e oposição de tradições e costumes, de mentalidades e situações, de problemas e interpretações, para aviar a identidade católica de seu Mistério. É o sentido da tradição, que a língua francesa expressa, com muita propriedade, no verbo de-livrer: libertar a identidade na mobilização de sempre novas diferenças. Pertencer à tradição cristã é transformá-la, deixando jorrar, pela interpretação da identidade, a riqueza inexaurível de sua vitalidade histórica. As transformações, crises e evoluções são o penhor da presença do espírito na Linguagem do Mistério. (É o que nos convida a pensar um pensamento radical de Duns Escoto: “Nulla datur successio nisi in virtute alicuius permanentis”.) Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

O domínio da igualdade sobre o pensamento é tão absorvente, que só com muita dificuldade se chega a pensar a identidade, como identidade e não como igualdade. A consequência de relativismo, que se tira da identidade nas diferenças, é um testemunho eloquente. Pois tanto o relativismo como o in-diferentismo da verdade são possibilidades de articulação da igualdade numa voracidade devoradora das diferenças. Pretender entregar à idiotia do arbítrio a religiosidade, devido à identidade do Mistério de Cristo nas diferentes religiões, é o mesmo que querer deixar à vontade de cada um falar qualquer língua em razão da identidade na Linguagem das diferentes línguas . A identidade não tira. A identidade dá. Dá. a autoridade da liberdade. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

A universalidade da fé cristã não é uma universalidade abstrata, que do poder de atropelar as diferenças extrai uma unidade, onde tudo se equivale. Esta universalidade é um número. Supõe uma isomorfia de estrutura que garante funções iguais numa multiplicidade de coisas. Para Hegel, universalidade ab-strata é “die Nasen zählen”, contar os narizes. A universalidade da fé cristã é a universalidade con-creta, pois con-crescit, nasce com a renúncia a todo poder, por já se ter sempre entregue à luz obscura do Mistério. Esta universalidade é autoridade. Supõe uma Verdade que liberte para a interioridade nos vórtices de todas as diferenças. Na dinâmica da universalidade concreta do Mistério, o cristão não sente nas diferenças de sua fé a exclusão mas a inclusão de todas as outras possibilidades de crer. A identidade o leva às outras diferenças pela e para a aceitação da pobreza de suas próprias diferenças. Assim longe de impedir, o penhor da identidade em todas as religiões impele o cristão ao empenho missionário. As missões não existem para os fiéis dobrarem os infiéis às suas diferenças, para os cristãos converterem os não-cristãos ao poder de suas línguas , mas para fiéis e infiéis, cristãos e não-cristãos reconduzirem suas diferenças de poder e língua à Autoridade e à Linguagem do Mistério. O sentido, pois, da consciência de universalidade da fé cristã é a perda de toda consciência do poder; é a obediência à pobreza de uma universalidade con-creta; é a liberdade de deixar o Mistério ser Mistério, para se vir a ser um instrumento de sua paz: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz”. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

a) O magistério extraordinário não está de posse mas na posse da infalibilidade da Igreja de Cristo. A infalibilidade não é uma função de poder do magistério mas a autoridade do mistério de Cristo. Ora, a Igreja de Cristo é cronológica por ser cairológica, é histórica por ser escatológica, é paradigmática por ser arqueológica, é universal por ser católica. Nisso se inclui: uma definição dogmática quer ser e é infalível, enquanto for uma meta- língua . O que significa isso? Significa: um dogma é sintaticamente um enunciado do regime de signos de uma dada cultura, visando semanticamente conjunturas do mundo ( língua ) mas no horizonte da Linguagem do Mistério de Cristo (metá-). Ou brevemente: um dogma não é um concreto universal mas um universal concreto. É por isso que S. Tomás nos lembra que o ato de fé não se dirige ao enunciado mas à Linguagem do Mistério: “Actus credentis non terminatur ad enuntiabile sed ad rem” (II/II, q. 7, a. 2, ad 2). Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

b) A Linguagem do Mistério de Cristo é a vida de fé do povo de Deus. O dogma, porém, tem sido, na sua maioria, para defender a ortodoxia contra a heresia. Ora, por necessidade da defesa, o dogma destaca uma parte, particulariza, o que em grego se pode exprimir com o verbo haireín, donde provém heresia e herético. É o caso de se perguntar então: quem é quem aqui? Para defender contra a heresia, o dogma não há de ser também herético? — Esta conclusão é inevitável, se e somente se pensarmos a identidade do dogma, como igualdade, e não como identidade. Assim, aceitar simplesmente os dogmas ainda não nos preserva de heresia. Pois há um entendimento herético do dogma. É quando se elimina o metá- da língua do dogma; é quando se atribui a irreformalidade às línguas do dogma, igualando a Linguagem do Mistério às línguas das definições. A heresia do dogma é sempre a heresia da igualdade. No domínio da igualdade, as heresia apresenta a fatia como sendo igual ao bolo todo, o que vale dizer, apresenta o todo da fé como a igualdade de um bolo. Para ser católico, o dogma apresenta na fatia e no bolo todo o mistério da fé, como a totalidade da identidade em Cristo. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

A palavra Hermenêutica deriva-se de hermeneutike, cujo sentido se determina pelo verbo, hermeneuein, que os romanos traduziram com interpretari. Hermeneuein, hermeneia e hermeneus não dizem, como sempre de novo se ouve, esclarecer no sentido de conduzir uma coisa estranha e obscura para o âmbito claro e familiar da razão e do discurso. Esta maneira de se entender a hermenêutica parte de pressupostos indiscutidos. Por um lado, supõe que razão e discurso são a coisa mais clara do mundo. Por outro, que o originário e decisivo é a discursividade e a racionalidade. Pois precisamente estes pressupostos é que discute e questiona o pensamento radical. O originário e decisivo não é o inteligível e racional mas o inefável e o mistério. Neste questionamento se elabora a identidade e diferença de língua e linguagem. E é esta con-juntura de identidade e diferença que evoca o radical grego, herm-, cuja forma primitiva iniciava com um digama, Werm-, posteriormente substituído pelo fonema h do ‘spiritus asper’. Como o latim verb-, o alemão Wort e o inglês word, o radical grego Werm- provém de uma mesma raiz, wer ou wre, que significa o falar e o dizer da língua enquanto interpretação do mistério. E só por isso foi possível chamar o intérprete dos deuses de Hermes e identificá-lo com a língua . Assim, hermeneuein, interpretar, não diz conduzir alguma coisa para a claridade da razão e o discurso da língua mas reconduzi-la a seu lugar de origem no mistério da Linguagem. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

Quando os gregos falam, pois, de hermeneuein, hermeneia e hermeneus, advém-lhes à língua a Linguagem do mistério. É o que nos proporciona uma passagem de Homero. Não se trata de uma passagem lexicográfica apenas. É uma passagem Essencial. Tão Essencial que nela nem ocorre o verbo hermeneuein e no entanto nos faz passar poeticamente para o mistério da Linguagem. Encontra-se no início do Primeiro Livro da Ilíada. É crítica a situação dos Aqueus diante de Tróia. Há nove dias grassa no acampamento grego a peste enviada por Apolo. Na assembleia dos chefes, Aquiles exorta Calcas a interpretar a cólera do Deus. Antes de dar a palavra a Calcas, Homero nos apresenta o ser hermeneuta, dizendo nos versículos 68 a 72 da experiência grega de hermeneuein: 68 toisi d’aneste / 69 Kalchas Thestorides, oionopolon och’ aristos / 70 os ede ta feonta, ta fessomena, pro feonta / 71 kai neess’ egesat’ Achaion Ilion eiso, / 72 ten dia mantosynen, ten oi pore Phoibos Apollon. / Levantou-se-lhes, porém, / Calcas, filho de Testor, o mais vigoroso dos augures, / Que conhecia o que é, o que será e o que foi antes, / E por isso conduziu as naves dos Aqueus até Tróia, / Pela maneia, que lhe dá Apolo, o Brilhante. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

É a tática do diálogo. O magistério não acredita ter realmente o que aprender dos outros. Já sabe tudo. Por isso o diálogo, que busca, não é um diálogo na fé mas uma manobra de poder para dominar. Pois o diálogo na fé é o pudor da própria fé, o pudor de que a Linguagem do mistério nunca poderá esgotar-se na língua das formulações; de que se dá mais articulação do mistério no implícito, vivido na identidade das diferenças do que no explícito, declarado na igualdade das definições. É o que ocorreu no rumoroso caso do Catecismo Holandês. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

a interpretação das Sagradas Escrituras se faz hermenêutica quando chega à identidade da Linguagem de Deus nas diferenças de tempo e vida entre a língua das Escrituras e a língua de nosso martírio. É que esta identidade constitui o óleo da consagração de qualquer texto enquanto nos coloca no envio do mistério da fé. a fé é a via em que somos en-viados à viagem do mistério de Cristo. Daí também o problema hermenêutico não ser o desafio da construção de uma ponte que nos proporcione passar do presente para o passado. É o desafio da consagração da diferença de nosso presente. a fé do presente é a presença da fé nas diferenças que ligam a uma mesma tradição passado e presente. Não foi decerto a partir da experiência da fé que se disse naquela semana da LEB, dever o teólogo abster-se de falar sobre economia e política econômica. Como todas as demais diferenças, também a economia e a política econômica gemem na ânsia de identidade na fé. É isso também que se passa com a exegese, enquanto ciência da interpretação dos textos sagrados. Como ciência, a exegese é uma diferença de nosso presente. Cristo, os apóstolos, os primeiros cristãos não podiam nem necessitavam fazer exegese. Erani mártires. Testemunhavam a verdade da fé com suas próprias vidas. Pois o nosso martírio é o mesmo, sempre que testemunhamos com nossa exegese a verdade da fé. O exegeta é um mártir. Sacrifica a ciência em testemunho da fé. E só por isso ele tem de ser todo o rigor da ciência. Só por isso ele tem de conhecer mais do que ninguém a ciência da Linguagem. Algumas das investigações da lingüística das Escrituras que mais nos ajudam a ser esta radicalidade da exegese, são as seguintes: I.T. Ramsey, Models and Mystery; John Wilson, Philosophy and Religion; James Barr, The Semantics of Biblical Language. Aprendendo a pensar I: Carta para um Exegeta

Esta, a carta que prometi. Com ela segue um diálogo da Linguagem e Poesia. O diálogo procura chamar a atenção para a identidade na diferença de Língua e Linguagem. Aprendendo a pensar I: Carta para um Exegeta

Nós nos perdemos na manobra do Pensamento, que por obra da mão da Linguagem nos encaminha no caminho de aprender e ensinar. Só entrando no jogo da Linguagem é que encontramos um princípio de unidade realmente integrador das dimensões e níveis de aprender e ensinar. Os planos de formação, de que tratam diferentes línguas , têm na Linguagem a força de integração que lhes garante crescer e diversificar-se sem perda de identidade. Aprendendo a pensar I: Aprender e Ensinar

Descobrindo que a neurose não é um sintoma, Freud transcende o universo dos fatos e cria para o discurso da psicanálise um novo universo, o universo do sentido. Um sentido não é o produto de causas mas a criação de um sujeito. A lógica e epistemologia do sentido vivem um outro jogo da linguagem. E é segundo as regras deste jogo que não pode haver distinção clara entre observação e interpretação. Só se exige clareza a respeito de quem está dizendo o quê. Por isso, se o discurso do fato pergunta em termos de “como” e responde em termos de causalidade-probabilidade, determinação-indeterminação, o discurso do sentido pergunta em termos de “por quê”? e responde em termos de criatividade na dependência. Esta diferença provém da linguagem em jogo. Pois nos discursos de todas as suas línguas a linguagem joga sempre com o animado e o inanimado. No jogo com o inanimado, o discurso discorre sobre a atividade-comportamento e fala de determinação-indeterminação. No jogo com o animado, o discurso recorre ao sentido da atitude e fala de identidade. As categorias de animado e inanimado são decisivas para o universo de discurso do sentido. É que a fronteira entre vida e não-vida marca os limites de nossa capacidade de identificação. Na identificação, sentimos o que um ser deve ter para viver. Na identificação, compreendemos a atitude e o sentir-se do ser vivo. A realidade das informações assim obtidas depende da capacidade de se tolerarem diferenças e, pela crítica da transferência, de se manter a identificação dentro dos limites da identidade. Dentro destes limites, a identificação nos proporciona informações que de outra maneira nos seriam inacessíveis. Aprendendo a pensar I: Filosofia e Psicanálise

Assim, por exemplo, quando Bultmann, valendo-se dos meios e recursos da ciência, mostra presentes em São Paulo a teologia judaica ou o cristianismo do povo, o iluminismo helenista ou a vivência sacramental dos gnósticos, estes resultados não explicam a causa de São Paulo e de Bultmann. Por quê? Porque esta causa é o mistério. Porque a Linguagem do mistério de Cristo em causa no texto e na interpretação é que permite aos recursos e meios da ciência a diákrisis pneumáton. Pois o que diretamente fala no texto são sempre as palavras dos outros espíritos, do espírito judaico, do espírito do povo, do espírito helenista, do espírito gnóstico, breve, das espiritualizações do espírito humano. Mas a força de todas estas espiritualizações, a Linguagem de todas estas línguas é o pneuma Christou. A interpretação, qualquer que sejam os meios e recursos de seu exercício, só será interpretação quando ouvir o Sim de Cristo nas vozes dos espíritos do texto. Aprendendo a pensar I: Hermenêutica, Revelação, Teologia

Quando se fala em Igreja Primitiva, há de se evitar ouvir apenas uma determinação cronológica: a comunidade cristã do primeiro século, agente da evangelização universal, cujas línguas canónicas possuem um valor paradigmático de salvação acima do tempo e espaço, uma vez que a mensagem de Cristo se destina numa igualdade católica para todos os tempos e para todos os povos. Aprendendo a pensar I: Poder e Autoridade no Cristianismo

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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