Carman (2003:132-133) – terceiro sentido da palavra mundo

“Mundo” tem um terceiro sentido, mais uma vez ôntico, referindo-se não apenas a entidades ocorridas ou teóricas, mas “àquilo ‘em que’ um Dasein fático, como Dasein, ‘vive’. ‘Mundo’ aqui tem um sentido pré-ontológico, existencial”, diz Heidegger, pois capta nossa noção comum dos mundos práticos nos quais as pessoas vivem suas vidas. Portanto, tem um significado ôntico, uma vez que se refere a particularidades concretas, embora de um tipo distintamente humano, por exemplo, “o mundo ‘público’ de nós ou o ‘próprio’ ambiente (doméstico) mais familiar (Umwelt)” (SZ 65). Se alguém falasse do mundo do matemático nesse sentido “existencial”, não estaria se referindo a um domínio de possíveis entidades abstratas, como números e figuras, mas a coisas como escritórios, colegas, empregos e revistas. Novamente, tomando a ciência como exemplo, um mundo existencial é muito parecido com um paradigma kuhniano entendido como uma “matriz disciplinar” que consiste em “generalizações simbólicas, modelos e exemplares”, ou seja, as ferramentas práticas e cognitivas familiares da prática científica.1

É claro que os seres humanos normalmente ocupam mais de um mundo existencial, dependendo da complexidade e da variedade de suas ocupações práticas e identidades sociais. Na modernidade, como diz Heidegger, todos nós normalmente ocupamos pelo menos dois: o mundo de nossas vidas privadas, por um lado, e a esfera pública, por outro. Mas a lista poderia ser estendida indefinidamente, talvez arbitrariamente, para incluir todos os tipos de instituições mais ou menos estáveis e duradouras que moldam nossas identidades, como a academia, o mundo da arte, o mundo dos negócios, o setor de entretenimento, a mídia, a arena política e assim por diante.

[CARMAN, Taylor. Heidegger’s Analytic: Interpretation, Discourse and Authenticity in Being and Time. New York: Cambridge University Press, 2003]
  1. Kuhn, The Essential Tension, 297.[]