A análise de Aristóteles (Ética a Nicômaco) permite-nos, assim, uma recondução do horizonte concreto da acção ao seu princípio. Contudo, o princípio da acção não está ao alcance de uma detecção cognitiva e puramente teórica. Na verdade, há uma distância abissal entre conhecer o princípio da acção e exprimi-lo no agir. O saber prático é adquirido apenas quando se converte em acção realizada. Isto é, não importa saber apenas qual é a possibilidade extrema do Humano, mas saber como ser-se essa possibilidade, existir nela, de acordo com ela, em vista dela. A possibilidade extrema do Humano é a de ele se tornar excelente. Saber o que fazer não é suficiente. Tem de se agir.
Mas de todos os problemas postos, o maior resulta de há já muito termos perdido o contacto com o sentido essencial do prático tal como os Gregos o experimentavam espontaneamente. É desse sentido que dependem a possibilidade da sua caracterização, enquadramento e compreensão. Caracterizar o horizonte prático é caracterizar a situação específica em que o Humano se encontra. O sentido original do substantivo «práxis»s é dificilmente vertido para português através de termos como «acção» ou «prática». O verbo «práttein» significa passar por, atravessar. Significa também estar sujeito ao acaso, ao feliz tanto quanto ao infeliz. Significa bem assim «levar a cabo», «realizar», «cumprir»9. Nesta conformidade, o horizonte prático é o espaço onde tem lugar aquilo por que se passa: as situações em que caímos e as situações que criamos. O Humano existe desprotegido num horizonte que o deixa necessariamente exposto aos reveses da fortuna, aos caprichos do acaso, aos golpes do destino, à adversidade em geral. O mundo em que vivemos, os outros que aí encontramos, nós próprios no que nos dá para fazer, tudo isto forma frentes provocadoras da acção. Mas a acção só acontece quando arranjamos um espaço de manobra para a levar a cabo de livre e espontânea vontade, de forma plenamente consciente.
É, assim, no quadro deste horizonte que Aristóteles procurará circunscrever as diversas possibilidades de nos relacionarmos de modo excelente com o que aí nos acontece.
Excerto da “Apresentação” de António Caeiro a sua tradução da Ética a Nicômaco (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António Caeiro. Lisboa: Quetzal, 2015, p. 11-12)