Heidegger não é um filósofo do caminho. Ele gira em torno do ser. Assim, ele o associa à calma, ao silêncio e à duração. O processo e a mudança, que constituem o dao, não são traços fundamentais do ser: “demorar significa: perdurar, ficar quieto, parar e deter-se, ou seja, na calma. Goethe diz em um belo verso: ‘o violino para, o dançarino demora’. De fato, demorar, perdurar, perdurar perpetuamente, é o antigo sentido da palavra ‘ser’” (GA10:186). Além disso, o ser de Heidegger, que recua para o velamento, não captura a imanência do ser-assim que domina o pensamento do Extremo Oriente. O ser-assim é mais plano e cotidiano do que o “ser” de Heidegger.
Ontem, hoje, é como é. No céu, o sol nasce e a lua se põe. Diante da janela, ergue-se a montanha e flui o rio profundo 1.
Em O princípio do fundamento, Heidegger cita Angelus Silesius: “um coração que em seu fundo tem a calma de Deus, como Ele quer,/ É tocado de bom grado por Ele: é Seu toque de alaúde” (GA10:118). Sem Deus, sem o músico divino, o coração fica sem música. Em outro lugar, Heidegger dá uma torção idiossincrática à frase de Leibniz Cum Deus calculat fit mundus (quando Deus calcula, faz-se o mundo): “enquanto Deus toca, faz-se o mundo” (GA10:167). Deus toca. A música tocada por Ele é o mundo. No fim das contas, não há tanta diferença assim entre o Deus que calcula e o que toca. Mesmo o músico divino tem muito fazer, muita subjetividade. Ele não é ausente. O alaúde de Zhuang Zhou não é um alaúde de Deus. Ele tem uma propriedade particular. Ele só ressoa quando o músico se retira, quando ninguém está presente. Sem nenhum músico, sem a virtuosidade de um sujeito divino ou humano, sem nunca ser tocado por ninguém, ele emite sons de beleza inaudita e fragrâncias encantadoras de ausência. (ByungA)
- Der Ochs und sein Hirte. Eine altchinesische Zen-Geschichte. Pfullingen: Neske, 1958, p. 120.[
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